O jornalismo online tem por característica a infinitude de espaço para publicação. Ali, pode se dar a convergência midiática com toda a sua potência, de acordo com os novos rumos que as inovações tecnológicas dotaram o campo profissional. Sendo assim, eis uma boa oportunidade para contextualizar grandes temas para a sociedade que não conseguem ganhar profundidade sob argumentos de espaços restritos de páginas dos impressos ou os segundos contados dos eletrônicos. Um desses assuntos, pouco agendado na mídia, é a obrigatoriedade de aterros sanitários no lugar de lixões.
No ano em que a transferência de lixões para aterros sanitários começa a acontecer no Distrito Federal, por exemplo, o jornal Correio Braziliense fez uma página especial online, que pode ser rolada mais tanto na vertical quanto na horizontal, uma mostra de como novas ferramentas podem ser revolucionárias para contar histórias como se fossem capítulos. No entanto, a observação traz o conceito de que não é a revolução tecnológica sozinha que faz o jornalismo, sem que os profissionais não mudem práticas de produção ou se desapeguem das estruturas tradicionais.
O especial “Um problema Estrutural”, que faz referência à cidade Estrutural, onde fica o lixão de Brasília, consegue concentrar o tema, mas “higieniza” a abordagem e mantém olhar elitista para o tema, com a distância de quem não quer chegar perto das moscas ou olhar crianças (sim, todos sabem que há menores no lugar, mas a cobertura nem resvala por ali). O Lixão da Estrutural é localizado a 15 quilômetros do centro de Brasília, e deve ser transferido para a cidade de Samambaia (a 30 quilômetros) ainda neste ano. O especial do Correio se sustenta em quatro pilares, os desafios da transição para o aterro sanitário, a preocupação com a recuperação da área, os riscos que o Lixão oferece e a polêmica com os catadores, que necessitam do mesmo para ter sua fonte de renda.
Insensibilidade e parcialidade
O mais estranho é que apenas dois catadores foram trazidos na reportagem. Três moradores das regiões envolvidas (Estrutural e Samambaia) também, com opiniões sobre a sede do aterro. Mas, quem tem destaque mesmo no material são as seis fontes oficiais que ganham espaço destacado, incluindo representantes dos três poderes. Para tentar a contextualização, sete especialistas falam sobre benefícios e malefícios. Sendo assim, apesar de ouvir todos os lados envolvidos, o jornal não deu o mesmo espaço para aqueles que estão diretamente ligados à questão da transferência do lixão. Baseado no que nos é dado por Antonio Fidalgo (2007), na reportagem há uma densidade semântica (aprofundamento pelo contexto) menor, devido a essa irregularidade na quantidade de fontes ouvidas.
A reportagem, apesar de seguir uma estrutura diferente das demais vistas na plataforma online, não passa da camada da explicação da pirâmide deitada (conforme teoria de Canavilhas, de 2004, em que no online podem haver camadas de aprofundamento), que, tem por definição, trazer uma versão expandida dos elementos dominantes, mas de maneira autônoma, com conteúdos de mídias diferentes como vídeos, imagens e artes infográficas.
Outro detalhe a se analisar é que essa cobertura especial se assemelha muito ao jornalismo impresso, com textos divididos em colunas e os por seguir uma estrutura muito vertical, sem links para atingir a terceira camada de contextualização ou a quarta, de exploração. Ou seja, não há hiperlinks para fazer ligações com sites externos. São três vídeos, quatro tabelas e dois infográficos que poderiam ser melhor aproveitados sem que parecessem mais uma página de jornal que se mexe.
Ainda como herança dos tempos tradicionais, o jornal não fornece qualquer canal de interação online para que públicos possam prestar mais informações e opiniões. É online, mas traz uma mão única de comunicação, o que, por si só, é uma contradição. Não adianta, esteticamente, o conteúdo estar apresentado de forma diferenciada, se o jornalismo não trouxer as demandas reais das ruas. Mais do que a decomposição orgânica do lixão, insensibilidade e parcialidade cheiram muito mal.
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Raphael Tavares Costa e Luiz Claudio Ferreira são, respectivamente, estudante e professor de Jornalismo