Sizudo e denunciador, o nanico gaúcho Coojornal correu em faixa própria, paralela à trajetória dos jornais alternativos liderados pelo irreverente e gracioso Pasquim, durante a ditadura. À truculência desta, aliás, costuma-se atribuir a responsabilidade pelo fim da pioneira Cooperativa de Jornalistas de Porto Alegre, criada em 1974, há justos 40 anos, por um grupo de profissionais da capital gaúcha inspirados em modelo europeu de gestão própria da categoria.
Dois anos depois de fundada, a cooperativa lançou o mensário de mesmo nome, Coojornal, que se notabilizou como uma publicação que desafiava o regime militar e que produzia grandes reportagens, incomuns na mídia convencional vigiada de perto pelos censores. Arrebatou prêmios, mas teve jornalistas presos. Alcançou o sucesso, mas findou em melancólica agonia, quase por inanição.
Passadas quatro décadas, para alguns jornalistas que discordam da visão simplificada de que a entidade foi abatida pela ação dos sabujos de coturnos, ainda perdura uma angustiante interrogação: a Coojornal teria sobrevivido ao impacto eleitoral que determinou o rompimento interno e a saída de suas hostes de boa parte do núcleo da reportagem e da fotografia? Teria ela mais alguns gordos anos de sobrevida se os jovens contestadores de então assumissem a condução da empresa, gerida por jornalistas sabidamente avessos aos meandros da gestão? Para os que prosseguiram na direção, com a árdua missão de administrar a famosa Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre até a penosa angustia final, imposta aos mais de 300 sócios e compartilhada com os colegas fiadores da locação imobiliária de dois prédios e de empréstimos bancários ferinos, defensores da versão conveniente de que a ditadura exacerbada daqueles idos é culpada maior pelo fim da Coojornal, certamente a resposta é não.
A Coojornal poderia ter sobrevivido
Argumentam que, ao impor a censura jornalística verde-oliva e mostrar as garras de condor para assustados anunciantes, que deixaram de investir em peças publicitárias na publicação, o arbítrio asfixiou-lhe mortal e irremediavelmente o fôlego financeiro.
Ademais, os afoitos cabeludos e as meninas de bata da oposição certamente não estavam amadurecidos o suficiente para dirigir a Coojornal com a visão empresarial que se exigia. Então, interrogam tão prosaicamente: de que adiantaria uma diretoria com postura divergente frente a esse contexto externo violentamente avassalador?
É possível que se concorde com esse diagnóstico por conta da interpretação recorrente mais conhecida e firmada, como sempre, pelos vitoriosos. E que tem sido, amiúde e à exaustão, disseminada até por graduados de jornalismo, com a conivência descomprometida com a história da imprensa de mestres e doutores em comunicação.
Mas se, afinal, no âmbito da especulação cabem assertivas e negativas ao gosto do freguês, posso estabelecer a hipótese de uma opinião bem oposta: a da versão ignorada dos esquecidos. Sim, com o crédito de ter sido um primeiros repórteres associados a integrar o dia a dia executivo da instituição, vos digo: Animem-se! A Coojornal teria sobrevivido com destino diferente se aquele pioneiro grupo idealista e de vigorosa juvenilidade permanecesse, portando-se fiel à doutrina cooperativista que originara a Coojornal em 1974.
Teriam, por óbvio, que ajustá-la à prática de uma gestão viável no mercado capitalista em que se inseria, mas não precisariam abdicar do cotidiano que três dezenas de nós, cumpridores de expediente diário alongado, incorporamos ao nosso estilo de vida, à nossa própria jornada vivencial.
Pergunta não tem e não terá resposta definitiva
Era uma doce época de resistência cívica, dos almoços caseiros preparados por dona Leocádia, dos romances adúlteros que saíram dos lençóis para casamentos com prole, das mudanças radicais de vocações profissionais, dos bailecos com chope na sala maior da casa alugada na rua Comendador Coruja; das reuniões de pauta em que tonitruava uma escritora em busca de recorde no Guiness sem contudo interromper o dormitar de um chargista; das cenas habituais que sequer apareceram naquele vídeo promocional com protagonistas alienígenas e debochados que acompanha Coojornal, um jornal de jornalistas sob o regime militar, a coletânea de reportagens do mensário.
De fato, não estava em nosso horizonte administrativo, assentado em auditoria externa que nossa chapa propugnava, a aventura do lançamento do semanário O Rio Grande nem a megalomania da aquisição de uma gráfica própria, que resultaram em frustração financeira, impondo o fracasso econômico que o gerente executivo de então iluminou depois, em entrevista para o jornalista Danilo Ucha. Para Eládio Vieira da Cunha (que se demitiu antes do lançamento do periódico semanal, que durou apenas 22 edições), era “coisa de louco” lançar um jornal naquele momento, nas condições deficitárias que o Coojornal vivia.
Não bastou a chamada à razão do gerente e também interposta na histórica assembleia extraordinária em que a situação venceu a eleição graças aos votos enviados por correio de outros estados por associados mal informados sobre a situação cá nos pagos.
À esta morte anunciada, ali contrapusemos com um planejamento modesto, de limiar econômico ortodoxo, conservador até – logo nós, os mais inexperientes, os socialistas pré-PT, como alguns anos depois nos cunharam, simpáticos brittistas. Nosso programa de governo rejeitava arroubos de grandiloquência e ignorava a criação de novos veículos; ao contrário, apostava na produção para terceiros como base para investir na principal publicação mensal, isto é, reforçando a edição do Coojornal.
Propúnhamos, também e sobretudo, uma gestão com igualdade participativa e democracia interna, valores teóricos que a Coojornal defendia nas páginas do mensário, mas repórteres e fotógrafos só acompanhávamos na prática de algumas cooperativas de produção no interior do estado, que cobriam com regularidade para a inovadora revista Agricultura & Cooperativimo, que era (bem) paga pela poderosa Federação das Cooperativas de Trigo e Soja (Fecotrigo). A participação solidária animaria o grupo e convocaria novos adeptos na cruzada da imprensa, contribuindo para o fim do regime que já durava mais de uma década.
Por essa projeção sonhadora de equilíbrio nas finanças e convivência harmoniosa entre almas diferentes seríamos todos felizes no final, como sói acontecer em novelas platinadas e em filmes oscarizados.
Entretanto, em nome da sobriedade existencial e do rigor profissional que repele teses sem comprovação possível, só me resta acatar a férrea realidade e concordar que a pergunta, passadas quatro décadas, não tem e jamais terá uma resposta definitiva.
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Luiz Eduardo Achutti é jornalista