Por motivo do aniversário de 20 anos da morte do piloto brasileiro, o jornal berlinense Tagesspiegel fez entrevista exclusiva com o tricampeão Sebastian Vettel sobre Senna.
Ao contrário de Michael Schumacher, que agia e era igualmente percebido pela opinião pública e a mídia como uma “máquina de vitórias”, que não se permitia exibir algo pessoal ou qualquer sinal de fraqueza humana – e que, por ironia do destino, permanece há meses em coma sem previsão de acordar – Vettel espelha o contrário: de um lado, Senna causou uma mudança de paradigma no circo da Fórmula 1, a personificação de um brasileiro vitorioso numa época em que eram pouquíssimos os motivos de se orgulhar de ser brasileiro. Vettel, por sua vez, ratifica que para ser campeão não é preciso ser sempre sério e comedido. O campeão mais jovem de toda a história da Fórmula 1 é de carne e osso, de sorriso simpático, apaixonado e apaixonante pelo que faz, solícito com a imprensa igualmente depois de uma vitória ou de uma derrota, ao mesmo tempo em que não deixa quaisquer dúvidas de estar focado naquilo que a Fórmula 1 espera de todo o piloto: a vitória.
Mesmo que a atual temporada não esteja no momento favorável para o piloto alemão, nada diminui o interesse nem mesmo a simpatia da mídia e da opinião pública para aquele que nasceu na cidade de Hoppenheim, e que logo depois do seu primeiro título mundial em 2010 foi rebatizada em Vettelheim (a casa de Vettel, em tradução livre).
O artigo de autoria de Karin Sturm foi publicado na quinta-feira (1/5) e, na sequência, reproduzido por inúmeros veículos de comunicação (ver aqui).
A morte de Ayrton Senna foi uma enorme perda para a Fórmula 1
Há 20 anos morria em Imola a legenda da Fórmula 1, Ayrton Senna. O piloto Sebastian Vettel, quatro vezes campeão do mundo, se lembra exatamente daquele 1º de maio de 1994. Na época com 7 anos de idade, ele colava na tela da TV.
Quem pode lhe contar mais sobre Ayrton Senna?
Sebastian Vettel – Especialmente uma conversa com o ex-engenheiro de Senna, Giorgio Ascanelli, que me acompanhou no início da carreira quando eu corria pela equipe Toro Rosso. Era um motivo de orgulho para mim volta e meia ele me comparar com Senna. Na memória, eu tenho os vídeos das corridas e quando você conversa com pessoas que trabalharam com ele – e o conheciam bem – a sua impressão acaba sendo ratificada. Nenhuma dessas pessoas com quem conversei deixou qualquer dúvida de que ele era diferente do mito como é visto hoje. Isso mostra que Senna era realmente uma pessoa muito especial, mas também humano, com uma vida normal.
Senna se viu muitas vezes em situações polêmicas, por ser irredutível em querer seguir seu próprio caminho. Além do sucesso, você vê outros paralelos da sua trajetória com a de Senna?
S.V. – Para mim é muito difícil comparar a minha situação de hoje e a de Senna naquela época, mas também entre os nossos sucessos. Por ocasião do acidente, ele estava no auge da sua carreira e ainda teria, com certeza, conquistado vários campeonatos – e isso também é parte da tragédia. Três campeonatos mundiais, 41 vitórias e 65 poles são números que ficaram, mas poderiam ter se multiplicados ainda mais. Por isso não seria justo, eu, com os meus quatro campeonatos mundiais, afirmar que teria quebrado o recorde de Senna. Além disso, eu não sou nem um pouco fã de comparações. Eu acho que cada um deve deixar a sua marca própria.
Você é muito interessado na história da Fórmula 1, além de conhecer os carros que Senna pilotou durante a sua carreira. Se você pudesse escolher algum deles para dar umas voltas na pista, qual seria?
S.V. – Provavelmente o McLaren de 1993, com o número 8. Com ele Ayrton não conquistou o campeonato mundial, mas conseguiu ganhar cinco corridas com esse carro, apesar do mesmo ser mais lento do que dos concorrentes, ou seja, foi o talento dele que venceu. Também tenho um carinho muito especial por esse carro porque esse modelo foi a primeira miniatura que ganhei. Quando olho para trás, aí sim eu entendo o que significou ganhar com esse carro sob as condições da época, quando a Williams era um foguete, tecnicamente bem mais avançada do que a McLaren.
Qual foi o legado que Senna deixou para a Fórmula 1?
S.V. – Um legado que ninguém pode apagar, independente dos números e resultados. Eu acho que ele era uma pessoa especial em todos os âmbitos. Infelizmente não tive a chance de conhecê-lo pessoalmente. Para mim, ele não era primeiramente um piloto de Fórmula 1. Eu queria mesmo era ter conhecido o ser humano atrás de toda aquela carreira, debaixo do capacete, o que o fez se destacar perante todos os outros. Claro que ele era extremamente talentoso, mas pilotos de talento tem um monte.
O que te impressionou mais em Senna?
S.V. – A sua capacidade de transferir, de levar seu caráter e sua forte personalidade para o carro e fazer esse caráter transparecer no circuito, no seu estilo de corrida e na sua forma de enfrentar os desafios. Por essa razão é que pessoas do mundo todo ainda se lembram dele de forma tão intensa.
Repercussão ontem e hoje
No dia 1º de maio, o Süddeutsche Zeitung, o jornal de maior relevância no país, publicou duas matérias sobre Senna (ver aqui). O foco da reportagem é o evento em homenagem a Senna no circuito de Imola incluindo entrevista de um fã, que viajou de motocicleta da Grécia à Itália para prestigiar o piloto. “Exatamente neste lugar ele morreu. Desde então, o fundação criada por ele, ajuda crianças necessitadas no Brasil. Ele sempre ajudou às crianças. Ele foi uma das pessoas mais incríveis para todo mundo. A sobrinha de Senna declara se sentir emocionada com a homenagem ao piloto 20 anos depois: “O amor das pessoas a Senna continua tão vivo. Para mim isso é muito significativo. Nós somos a sua família, mas parece que o Ayrton continua vivendo no coração de milhões de pessoas. Isso é muito lindo.”
Inusitado eco midiático
O impacto da morte de Senna naquele fim de semana fatídico desconcertou os repórteres e comentadores da TV japonesa, impedindo-os de manter o distanciamento de praxe ao redor da notícia. Considerando que a expressão desenfreada e descontrolada de fortes emoções é um tabu absoluto na sociedade japonesa, especialmente para o sexo masculino, esse vídeo tem caráter inusitado (ver aqui). Nele também fica clara popularidade de Senna do outro lado do mundo. O nível de consternação dos jornalistas, os obriga, em transmissão ao vivo, a deixar de lado convenções culturais e midiáticas. A emoção falou mais forte.
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Fátima Lacerda é jornalista freelance, formada em Letras, RJ, e gestão cultural em Berlim, onde está radicada desde 1988; autora do blog “Todos os caminhos levam a Berlim”, no Estadão.com