O noivado durou nove meses, teve brinde regado a champagne com vista para o Arco do Triunfo, em Paris, mas no fim ninguém quis colocar a aliança. O anunciado casamento entre as agências de publicidade americana Omnicom e francesa Publicis – números dois e três mundiais – deveria ter criado a líder do setor, mas terminou em um divórcio motivado sobretudo pela disputa de poder.
“Eu não estava disposto a fazer concessões em relação ao equilíbrio desta fusão”, disse o CEO da Publicis, Maurice Lévy, ao jornal francês Le Monde, após a divulgação, na sexta-feira, do comunicado conjunto com a Omnicom sobre o fim da operação, por problemas para realizá-la num “prazo razoável”. “As dificuldades a serem superadas e a lentidão do processo criam um nível de incertezas prejudicial aos interesses dos dois grupos”, afirmaram Lévy e John Wren, CEO da Omnicom, na nota
O projeto de fusão deveria ter sido concluído no início deste ano. O atraso e as incertezas em relação ao seu desfecho já haviam provocado a perda de grandes clientes, que se voltaram para a concorrência. Em abril, a Microsoft anunciou a transferência de seu bilionário orçamento publicitário para a americana Interpublic (considerada a quarta mundial do setor) e a japonesa Dentsu Aegis.
Em abril, a Vodafone havia deixado a Omnicom e optado pela rival britânica WPP, líder mundial. Outras multinacionais saíram da Publicis ou da Omnicom nos últimos meses, como a Danone (que centralizou seus investimentos em mídia na Europa na GroupM, da WPP), ou ainda a Sony e a Marks & Spencer. A companhia aérea Emirates deixou a Publicis e contratou a Havas. “Nos nove meses de negociação, ganhamos clientes e perdemos outros. Não há impacto negativo nos negócios”, diz Lévy.
Foi mais fácil falar do que colocar em prática a anunciada “fusão entre iguais”, que criaria uma empresa com 130 mil funcionários e receita de € 20 bilhões, superando a líder WPP. Juridicamente, era necessário que uma empresa adquirisse a outra, mas ninguém queria ser comprado. “Nós não estávamos à venda, a Omnicom também não” disse Lévy ao Le Monde.
Desde julho de 2013, quando a fusão foi anunciada, vários atritos já teriam ocorrido entre os grupos em razão de temores de que um fosse absorvido pelo outro – o que foi chamado de “batalha de titãs” pelo The Wall Street Journal.
“Problema de ego”
O ápice das desavenças ocorreu na escolha do diretor financeiro da nova holding. Cada grupo quis emplacar o seu executivo. Para a Publicis, era “indispensável” para o equilíbrio da fusão, segundo Lévy, que o cargo fosse de seu diretor financeiro, Jean-Michel Etienne. O projeto previa que Lévy e Wren codirigiriam o novo grupo por 30 meses. Depois, o comando seria americano. “A direção deveria ser equilibrada. Mas a Omnicom quis ter os postos-chave: CEO, diretor financeiro e jurídico. Esta não é a minha visão de equilíbrio”, disse Lévy. Já para o grupo americano, com faturamento de mais de US$ 14 bilhões, cerca de 40% maior que o do Publicis, seria natural ocupar também a direção financeira.
“O casamento só teria interesse se o novo conjunto tivesse adotado o modelo econômico da Publicis, muito mais rentável do que o da Omnicom. Temos plataformas de produção, de compartilhamento de serviços e uma plataforma informática integrada”, afirmou Lévy ao Le Figaro, ressaltando a importância da direção financeira francesa na nova companhia.
O fracasso da fusão ou o “divórcio por consentimento mútuo”, como afirma Lévy, pode não ter sido surpresa para muitos. Os problemas se acumulavam nos últimos meses. Além de saber qual grupo compraria, tecnicamente, o outro, ou conflitos de interesse (a Publicis tem a conta da Coca-Cola e, a Omnicom, da Pepsi), surgiram dificuldades em relação à nova sede fiscal, que deveria ser na Holanda (mas o governo do país recusou), e também obstáculos de regulamentação, como a falta de aval das autoridades de concorrência da China. Lévy assegura, no entanto, que não foram as questões fiscais que fizeram a fusão capotar.
No fim de abril, Wren evocou publicamente problemas tributários e de regulamentação para justificar o atraso na fusão, acrescentando que era impossível prever uma data. Em resposta, a Publicis publicou uma nota informando estar confiante na solução dessas questões em um “prazo razoável”.
Agora, após o fracasso do acordo, os CEOs minimizam sua importância. No início, a fusão foi apresentada como a única maneira de resistir à concorrência de gigantes da internet, como Google. “Essa fusão jamais foi uma necessidade. Era uma oportunidade”, disse Lévy. O presidente da rival WPP, Martin Sorrell, afirmou que houve um “problema de ego”. “Por quê eles anunciaram o acordo se estão tão bem separados?”, ironizou.
Para Lévy, de 72 anos e segundo principal acionista da Publicis, a fusão seria uma forma de transferir o comando que ele exerce há 30 anos. Ele vem adiando sua saída do grupo. Na sexta, informou que vai ficar até o fim de seu mandato, em dezembro de 2015.
******
Daniela Fernandes, para o Valor Econômico, de Paris