Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A midiatização do caos

E, repentinamente, todos são exortados a acreditar que o país vive a sua maior crise, em toda a história recente. A velha mídia (jornal Folha de S.Paulo, TV Globo, revista Veja etc.) estampa enfaticamente – ecapciosamente – um estado de caos generalizado, apontando como principal pivô o governo federal. Enquanto uma parte da mídia internacional faz um bombardeio de críticas à realização da Copa no país, revelando uma das faces mais antagônicas do modo dos europeus enxergarem os latino-americanos, como também do nível de sagacidade a que se submente algumas táticas de protecionismo de mercado contra o emergente progresso dos Brics.

A priori, ambos os argumentos fundamentam-se muito mais com imagens de pujante grau de espetacularização do que realmente de números precisos e elucidativos. O que no campo científico, sobretudo nas exatas, não teria a mínima legitimidade, já que toda propositura científica em si toma por base dados exatos, ou enquanto resultantes de uma exploração sistematizada.

Ao mesmo tempo, torna-se precípuo reconhecer o poder de alienação e deturpação dos fatos das / pelas redes sociais da internet (Facebook, Twitter, Instagram, Whatsapp etc.), responsáveis por causar o que acredito ser um novo dilúvio: o (des)informacional.

Esta repercussão viral e tendenciosa acaba acusando um inevitável descompasso entre o excedente de informação e sua baixa apreensão que, além de facilitar em doses galopantes a manipulação ideológica e a persuasão com fins sanguinolentos de uma camada cada vez mais densa da população brasileira, transforma-se igualmente no maior agente catalisador de manifestações mais cênicas do que politicamente efetivas. Isso porque o superávit de conteúdos disponibilizados nas mais diversas plataformas da infovia sugere um silencioso processo de deflagração da capacidade de armazenamento de dados e da experiência acumulada de cada indivíduo, ao privilegiar condições e disposições de leitura imediatistas, condicionantes.

Discursos anacrônicos

Também é evidente que o projeto e o planejamento da Copa no Brasil possui mais erros do que acertos, sobretudo no que tange o seu legado que, sem dúvida, deixará sequelas irreversíveis na vida das famílias dos nove operários mortos nas obras, dos inúmeros sem-tetos e dos moradores de baixa renda que foram violentamente despejados de suas casas. Quanto à corrupção nas licitações, superfaturamento e tráfico de influência, entre outras falcatruas, infelizmente não são novidades. Aliás, eu diria que, grosso modo, acompanham a trajetória política do Brasil desde a chegada das primeiras caravelas portuguesas, idos em 1500.

Entretanto, chegamos a um estágio civilizacional onde banalmente qualquer fim justifica os meios mais insanos, logo institucionalizando-se a barbárie. Neste estágio, numa visão apocalíptica, o capital intelectual de cada indivíduo é reduzido ao mais abjeto dos automatismos, e quaisquer fragmentos ou boatos podem adquirir indiscriminadamente o status de notícia, assim reiterando uma prosaica falácia da propaganda nazista: uma mentirarepetida mil vezestorna-se verdade (…).

Ciente disso, e voltando a análise inicial, pode-se deduzir que a exortação em si perpetrada por determinadas frentes noticiosas, nos últimos meses, revela todo um laborioso plano de ataque antropofágico à todos os indivíduos historicamente incompatíveis ao estereótipo comum do “homo colonizador”, ainda que nos entremeios desta dedução resida um hiato complexo. Da mesma forma que é possível aceitar que da midiatização do caos em âmbito nacional incorra a superestimação de discursos da mídia anacrônicos e esvaziados de retórica sóciohistórica. Tudo como resultado de um campo de disputas simbólicas e em constante rodizio, onde se sagra o mais forte aquele que consegue dissimular com maior habilidade e menor passionalidade o eletromagnetismo das contradições humanas e sociais.

Posso estar redondamente enganado, mas a diligência e a pusilanimidade de alguns “agendamentos”me fazem crer nisso.

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Lawrenberg Advíncula da Silva é professor do curso de Jornalismo da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), campus de Alto Araguaia,e coordenador-geral da revista científica Comunicação, Cultura e Sociedade