Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

ABI contaminada pelo pensamento único

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) atravessa um momento grave, talvez um dos mais graves de sua história, que no mês de abril completou 106 anos. A crise atual se arrasta desde o ano passado e foi judicializada por um grupo de associados da entidade.

Em abril do ano passado foi realizada uma eleição em que saiu vitoriosa a chapa liderada pelo presidente da entidade, jornalista Maurício Azêdo, morto em 25 de outubro de 2013. Foi uma eleição das mais concorridas dos últimos anos.

Um grupo de associados, liderados pelo jornalista Domingos Meirelles, diretor financeiro na gestão de 2010-2013, que não conseguiu formar chapa para concorrer, decidiu ingressar na justiça para contestar o resultado.

Falso argumento

O argumento – falso, por sinal – foi de que houve irregularidades e até fraude na eleição tendo sido os opositores de Azêdo prejudicados. Depois de marchas e contramarchas, produtos de decisões judiciais que se arrastaram por quase um ano e que na prática precipitaram a morte do presidente da ABI, que se encontrava com a saúde fragilizada, a Justiça acabou dando ganho de causa ao grupo opositor. Foi então anulado o resultado do último pleito.

A ABI continuou em clima de alta tensão. O Conselho Deliberativo, órgão máximo da entidade, com base em interpretação jurídica, decidiu que com a morte de Azêdo ocorreu uma vacância do cargo, tendo por isso o Conselho o direito de indicar o presidente interino até a realização das eleições previstas para abril, conforme estabelece o estatuto. Foi indicado para o exercício do cargo o jornalista Fichel Davit Chargel.

Mais uma vez houve uma consulta à Justiça por parte dos que não se conformaram com a decisão coletiva do Conselho. Mais uma vez, a Justiça decidiu favoravelmente ao grupo de opositores liderados por Meirelles e ordenou que a diretoria da gestão 2010-2013 deveria ser reconduzida e sob a presidência do jornalista Tarcísio Holanda. Decisão da Justiça tem de ser cumprida, mas não há impedimento algum de ser criticada.

Falta de liberdade de expressão

O autor deste artigo, que além de conselheiro da ABI preside a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da entidade, criticou a decisão judicial, inicialmente em mensagem a alguns conselheiros. Apresentou, portanto, uma opinião e assinalou a falta de legitimidade da diretoria empossada por decisão da justiça.

Recebeu por isso uma advertência firmada pelo diretor administrativo empossado pela Justiça, Orpheu Sales. Voltou a fazer o mesmo tipo de crítica em uma reunião do Conselho Deliberativo, afirmando inclusive que não reconhecia a advertência adotada em uma reunião da diretoria em que até o presente não foi apresentada a ata.

Decisão questionável

Novamente punido por expressar uma opinião, o conselheiro foi suspenso por 60 dias, recebendo o comunicado por meio de uma carta firmada pelo mesmo diretor administrativo, Orpheu Salles. Na comunicação o diretor informou que a decisão foi adotada “por unanimidade” dos presentes em uma reunião da diretoria sob a alegação, absolutamente estapafúrdia, segundo a qual o conselheiro “se desmandou em termos incompatíveis com o decoro contra o presidente Tarcísio Holanda e o diretor administrativo Orpheu Santos Salles”. Da mesma forma que na nota de advertência, não foi divulgada a ata da reunião da diretoria que decidiu a suspensão, um documento obrigatório, ainda mais por se tratar de um assunto altamente polêmico.

O que aconteceu é um fato lamentável, que depõe contra a própria entidade, que na maior parte de sua história sempre defendeu a liberdade de imprensa e de expressão.

Uma decisão como a adotada não atingiu apenas um conselheiro ou o presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos, mas sim a liberdade de expressão. Se não for apresentada a ata da reunião que tomou a decisão arbitrária, configura-se uma ação ainda mais grave. Neste caso, o fato pode ser interpretado como uma decisão pessoal do diretor Orpheu Santos Salles.

Agora, o que deve ser exigido é a realização de eleições, adiadas desde o mês de abril e também em maio. Desta forma a ABI decidiria finalmente quem será o presidente, os integrantes da diretoria e os conselheiros. Uma eleição, em função da crise e do clima de tensão, a ser fiscalizada por outras entidades, entre as quais a Ordem dos Advogados do Brasil.

Em suma, é deveras lamentável, vale sempre repetir, que uma entidade como a ABI esteja sendo ocupada por diretores que não respeitam a liberdade de expressão e substituem o debate de ideias pela punição sumária.

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Mário Augusto Jakobskind é jornalista, conselheiro da ABI e presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da entidade