O Brasil está atravessando um dos momentos de maior radicalização ideológica de sua história recente. A onda de protestos desencadeada a partir de junho do ano passado, o advento das redes sociais, a realização da Copa do Mundo e a proximidade de mais uma eleição presidencial são alguns dos fatos que têm ensejado a mobilização dos mais variados setores de nossa sociedade. Nesta conjuntura conturbada, podemos destacar os antagonismos entre a grande mídia – extremamente contrária ao atual executivo federal – e a “imprensa pelega” – formada pelos veículos de comunicação que defendem incondicionalmente o governo petista.
Para a grande mídia, também conhecida como PIG (Partido da Imprensa Golpista), apesar dos tímidos avanços sociais e econômicos, o Brasil nunca esteve tão mal. Quem busca informações somente nas maiores emissoras e principais jornais do país tem a impressão de que Joaquim Barbosa é o paladino da ética judiciária, a atual onda de linchamentos é legítima defesa da população contra a impunidade, a corrupção no Brasil começou com o governo do PT e vivemos em uma “ditadura comunista” nos moldes cubano e venezuelano. Entre os principais nomes da atual cruzada antigoverno estão a “justiceira” Rachel Sheherazade, o humorista Danilo Gentili, os “pensadores” Luiz Felipe Pondé e Olavo de Carvalho, os cientistas sociais Demétrio Magnoli e Alberto Carlos Almeida, o “ex-rebelde” Lobão e os articulistas Rodrigo Constantino, Arnaldo Jabor, Reinado Azevedo e Diogo Mainardi.
Segundo Lobão (que no longínquo ano de 1989 desafiou a poderosa Rede Globo ao fazer campanha pela candidatura de Lula à presidência em pleno Domingão do Faustão) a presidenta Dilma Rousseff é “terrorista” e a esquerda brasileira é composta por “gente rancorosa e invejosa”. Por sua vez, Rachel Sheherazade, principal defensora dos linchamentos no Brasil, afirmou que o programa Bolsa Família gera “parasitas sociais”. Já os articulistas acima citados dedicam boa parte de seus tempos para escrever textos contrários ao governo federal.
Modelo pós-neoliberal
Lembrando o pensamento de Gramsci, em uma época de crise das tradicionais organizações partidárias de direita, a grande imprensa assume o papel de principal partido político das forças conservadoras. Não obstante, as redes sociais, espaços onde os preconceitos inerentes ao pensamento conservador podem se manifestar livremente, também têm sido bastante utilizadas para lançar campanhas com o claro objetivo de desestabilizar o atual governo e preparar uma possível volta dos tradicionais partidos de direita ao poder. Nesse sentido, o canal TV Revolta (com cerca de três milhões de “curtidas” no Facebook) representa (sob um verniz pseudoprogressista e bem-humorado) o que há de mais retrógrado no pensamento brasileiro.
Por outro lado, sites e blogs da chamada “mídia alternativa” e publicações como o jornal Brasil 247 e a revista Fórum são utilizados como propaganda do governo federal. É a “imprensa pelega”. Assim como trabalhadores pelegos estão demasiadamente vinculados aos patrões, portanto agindo contra os seus interesses classicistas, a “imprensa pelega”, ao invés de manter uma postura crítica em relação ao Executivo Federal, prefere atrelar-se incondicionalmente ao poder. Se para a mídia hegemônica o Brasil nunca esteve tão mal, para a imprensa pelega nosso país é o verdadeiro paraíso na Terra, as alianças espúrias do atual governo se justificam em nome da “governabilidade” e a Copa do Mundo só trará benefícios para o Brasil.
Emir Sader, conhecido sociólogo paulista, tem publicado em seu blog inúmeros artigos em que endeusa as figuras de Lula e Dilma Rousseff. “[Os governos petistas] priorizam um modelo de desenvolvimento intrinsecamente articulado com políticas sociais redistributivas, colocando a ênfase nos direitos sociais e não nos mecanismos de mercado. Essas características constituem o eixo do modelo pós-neoliberal – comum a todos os governos progressistas latino-americanos”, asseverou o cientista social em um texto.
Desserviço ao pensamento crítico
Ora, modelo pós-liberal? Onde? Uma gestão responsável por concessões de aeroportos, marcada por Parcerias Público-Privadas (PPP) e que repassa quase metade do orçamento federal para o capital financeiro, rompeu, peremptoriamente, com os paradigmas neoliberais? Pergunte ao Eike Bastista se Lula e Dilma não são generosos com o mercado…
Entretanto é no site Carta Maior, o “portal da esquerda”, que encontramos o maior exemplo de “peleguismo”. Gilson Caroni Filho, colunista do site, apresentou a seguinte colocação para justificar a injustificável aliança entre Lula e Maluf em favor da vitoriosa campanha de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo: “Ao firmar acordo com o deputado federal Paulo Maluf (PP), se deixando fotografar com seu adversário histórico, o ex-presidente Lula produziu a perplexidade que dominou, no primeiro momento, setores do próprio campo progressista. O purismo tem que despertar da frívola ciranda para a dura realidade do mundo adulto, do universo das relações reais entre pessoas e partidos. Aliança com Maluf, à direita, para neutralizar parte do PSD de Kassab. Pelo visto, faltou combinar com uma geração que gosta do suicídio político para expiar culpas sociais. Faltou dizer que o Maluf atual, aquele que merece combate, aquele que é conhecido pelas falcatruas e pelos métodos fascistas de lidar com adversários e movimentos sociais, atende por outro nome: José Serra.” Bajulação tem limite. Quanto contorcionismo literário para corroborar uma prática politicamente bem-sucedida, mas eticamente reprovável.
Portanto, não é complicado refutar os argumentos da imprensa pelega, difícil é concordar com os seus discursos padronizados. Em última instância, um estudioso que frequentemente se posiciona de maneira subserviente ao governo vigente – seja para obter benefícios, ou por mera ideologia barata – comete um enorme desserviço ao pensamento crítico e libertário. Sendo assim, o Brasil precisa de uma imprensa que seja realmente independente e aborde a realidade sem maniqueísmos. Em suma, uma imprensa que não seja totalmente submissa ao governo e tampouco comprometida com os segmentos reacionários da sociedade.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG