Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A revista enlouqueceu

É oficial! A revista Veja enlouqueceu de vez, perdeu o último fio do elo com a realidade: “Viva, viva, viva a realidade alternativa”, cantam e dançam na redação, ainda no clima do seu surreal “Susto Brasil”. Em seu desespero, virou panfleto de partido político – e panfleto sensacionalista, não seria nem o boletim oficial de um partido (que não usaria o vocabulário vulgar nem a manipulação explícita dos dados).

Eu ainda lembro quando era assinante e aguardava com ansiedade a revista chegar, novidades sobre todos os assuntos de todos os cantos do mundo, e até do espaço. Reportagens corajosas, com depoimentos, documentos… sobre as diversas correntes políticas do país. Todos os grandes assuntos da semana estavam ali, cuidadosamente reunidos, ilustrados e com uma redação impecável.

Mas aí ela ficou louca.

Desde a divulgação das pesquisas para a eleição presidencial de 2002, a revista tem mergulhado nas trevas da falsa informação e, o pior, tem criado um mundo próprio, onde seus dados geram novas matérias e depois novas manchetes… e, sinceramente, não acredito que possam conseguir mais conexão com a realidade, neste quadro de retroalimentação de mentiras.

Surto de libertação

Venhamos e convenhamos, o discurso entre esquerda e direita é totalmente ultrapassado e a construção histórica contemporânea já deixou claro que o regime de livre capital e iniciativa privada não é mais questão de opinião. É o regime econômico estabelecido para nosso tempo – o capitalismo é um fato de nossa época, tanto quanto é o feudalismo para a Idade Média.

Não, para a Veja. Fazem, semanalmente, um esforço enorme para defender que a Terra gira em torno do Sol e não o contrário, que o comunista vai invadir sua casa e comer as criancinhas. Sai Luis Fernando Veríssimo e entra Diogo Mainardi. Anacrônica e desencontrada, divide suas (cada vez menos) páginas entre publicidade e o esforço editorial de todas as suas seções e colunas em associar todo e qualquer tipo de problema ao governo do partido que escolheram para culpar até pelo efeito-estufa. A obsessão lembra a onipresença de Forrest Gump.

Em edição recente, Veja mergulhou de cabeça no seu mundo fantástico e criou um personagem americano que visita o Brasil e despeja todo o nojo e revolta conservadora contra tudo que encontra, e seu desconforto com gente pobre andando de carro, comprando casa e frequentando o shopping. O americano fica chocado com a audácia dessas pessoas encontrarem espaço na sociedade, com a insolente democracia que não pede ratificação da política externa norte-americana e porque, um lindo e exótico país que funcionava tão bem, vira uma sociedade industrial e elege nomes que não constam na lista dos velhos amigos cidadãos de bem que pediam ajuda ao FMI. Veja explodiu, de uma só vez, todo o discurso que divulga em pequenas doses. Foi um surto de libertação, praticamente, um orgasmo na redação.

Mas, querido folhetim, não precisava se esforçar tanto! Seu requentado discurso já foi resumido neste vídeo imperdível, em apenas 2 minutos, há 25 anos, por esta personagem que representa com perfeição o seu texto: https://www.youtube.com/watch?v=vxD8kyHdHOo

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Leonardo Livio Angelo Paulino é advogado, João Pessoa, PB