Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Portinari, um ilustre desconhecido em Paris

Esta é sua quarta viagem a Paris, mas é a primeira em que as obras o representam. Nas outras três, Cândido Portinari (1903-1962) veio em carne e osso. Em 1929, com bolsa de estudos, em 1946, para uma exposição na galeria Charpentier e, em 1957, para uma grande exposição de 136 obras.

Mas, desde então, Paris não viu mais nenhuma exposição do maior pintor brasileiro do século 20. Agora, os dois painéis monumentais, “Guerra e Paz”, que Portinari realizou para a ONU, de 1952 a 1956, são o centro da magnífica exposição inaugurada com grande pompa dia 6 de maio no Grand Palais, um dos museus mais prestigiosos de Paris.

A mostra foi fruto da vontade de dois presidentes socialistas, François Hollande e Dilma Rousseff, que quiseram, assim, lembrar a mensagem humanista de Portinari. Essa é a primeira vez que essa obra monumental sai da América e atravessa o oceano Atlântico, depois de ter sido exposta com enorme sucesso no Rio e em São Paulo. Os painéis haviam voltado ao Brasil para serem restaurados por uma equipe de restauradores dirigida por Edson Motta Filho e Claudio Valério Teixeira.

Chance única

Portinari aderiu ao Partido Comunista Brasileiro em 1945. Por isso, não pôde entrar nos Estados Unidos para a colocação de seus painéis. O país estava mergulhado na caça às bruxas do macartismo, a patrulha anticomunista vivia seu apogeu. Por ser comunista, o artista nunca viu sua maior obra no local para o qual fora destinada.

O jornal Libération apresentou Portinari como “um dos maiores artistas da América Latina, o Michelangelo brasileiro”, cuja obra é marcada pela luta contra o racismo e a miséria. Mas o brasileiro ainda é um artista pouco conhecido na França, o que lamenta o jornalista Vincent Noce, que fez em sua reportagem uma apaixonada defesa da obra de Portinari, também comparado a Diego Rivera, o grande pintor mexicano, a quem foi dedicada uma grande exposição no ano passado, em Paris.

Se depender do Libé, que dedicou quatro páginas centrais em cores e repletas de fotos dos deslumbrantes painéis e de outras obras do pintor, Portinari já não será mais um ilustre desconhecido dos franceses.

Em outro artigo no mesmo jornal, o curador do Centro Pompidou, Nicolas Liucci-Goutnikov, assinala o caráter mestiço e multicultural da sociedade brasileira, perfeitamente representada na arte do Modernismo, do qual Portinari foi o maior representante na pintura.

O fato de ter sua obra praticamente escondida dos olhos do público explica o precário conhecimento do artista no estrangeiro. Seu filho, João Cândido, informa que 95% da enorme obra de Portinari não é visível por estar em casas de colecionadores. Segundo ele, das 5.100 obras inscritas no catálogo raisonné do artista, apenas 200 estão no estrangeiro.

Agora, é preciso aproveitar a chance rara de ver Portinari no Grand Palais onde, além dos impressionantes e magníficos painéis, outros quadros e dezenas de estudos para “Guerra e Paz” podem ser vistos, além de vídeos que descrevem o processo de restauração e mostram o sucesso das exposições no Rio e em São Paulo.

A exposição de Portinari em Paris termina no dia 9 de junho.

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Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris