Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Sobre a entrevista de um megaempresário

O mundo parou. O doutor Jorge falou no jornal Zero Hora de domingo, 4 de maio de 2014. Não eu, pobre diabo. Estou falando do Jorge Gerdau Johannpeter, que fala coisas e, não tão estranhamente, todos, até a esquerda, não ousam questioná-lo. Como se enredou em uma barafunda, que, a bem da verdade, só é barafunda porque o PT está envolvido – se fosse barafunda tucana seria irrelevante. Voltando ao doutor Jorge, que está todo prosa, primeiro disse uma frase lapidar: “O Estado e seus privilegiados servidores não atendem à premissa de todo mortal, que é estar inseguro quanto ao futuro, e por isso se acomodam e nada criam, nada inovam”. Depois engatou outro comentário afirmando que nós, gaúchos, somos acomodados. Só faltou comentar que o contrato social, no sentido rousseauniano, está caduco e já é hora de voltarmos ao estado de natureza, à barbárie, enfim. Darwinismo econômico é a solução.

A estupefação é maior se se considerar que Jorge Gerdau Johannpeter é um empresário que pode, perfeitamente, se enquadrar entre aqueles que compõem uma frente política neodesenvolvimentista, no sentido dado por Armando Boito Junior, professor titular de Ciência Política de Unicamp (ver aqui). Uma frente que não colide frontalmente com o neoliberalismo, mas que acolhe ênfases na defesa da capital nacional, como apoio à proteção tarifária, prioridade de compras para a produção local etc…

Uma das medidas propostas por Jorge Gerdau seria, suponho, a retirada da estabilidade do funcionário público. No meu entender, suas propostas apesar de aparentarem sabedoria de um experiente, respeitado e calejado empresário, nada mais refletem do que o desejo ideológico da instauração de um darwinismo econômico onde os agentes mais fortes são os únicos com capacidade de sobreviver. Imagino um mundo assim e me assusto com tal possibilidade. Seria um mundo regido por forças econômicas sem o contrapeso do Estado e constituído por agentes públicos temerosos e fragilizados para tomar qualquer decisão contra colossos econômicos e poderosos políticos. Instaurar-se-ia um clima similar ao regime do “coronelismo” de antanho, onde ninguém ousaria contestar os interesses dos líderes locais e/ou regionais. Contestadores à esquerda e à direita do papel do Estado poderiam alegar que a situação pró-defesa dos interesses dos mais fortes, sua hegemonia, está assegurada no Estado através dos mais diversos mecanismos de corrupção e/ou cooptação. A estes respondo que, a despeito de todos os defeitos, o Estado é o único ator político – melhor, o mais equipado – para se contrapor e estabelecer, quando apoiado por forças sociais e políticas democráticas e progressistas com inegável representatividade, um mínimo de civilidade e equilíbrio social, econômico e político em um mundo constituído de empresas com fortunas pessoais e familiares maiores que países.

Bilionários reacionários

Quanto a seu comentário sobre o estado gaúcho, confesso que me sinto incapaz de avaliar sua veracidade. Caberia uma comparação com os demais estados e uma avaliação estrutural e conjuntural que o governo tem melhores condições de fazer. Já quanto ao primeiro enunciado, que discorre sobre a acomodação do funcionário público, tem-se o mesmo ramerrame ideológico-maniqueísta que ouvi do Paulo Francis quando afirmou que um empregado estatal ou um funcionário estatal não conseguiria fazer uma geringonça como aquela que faz seu gato se obrigar a fazer suas necessidades em um recipiente adequado. Estamos falando de algo de transcendência inquestionável, um WC de gato ou sei lá que nome tem isso. A capacidade empreendedora para estes é exclusividade da iniciativa privada. Isto é tão questionável quanto o seu contrário.

É inegável a capacidade empreendedora privada. Ninguém em sã consciência seria capaz de negar tal aptidão. Só mentes toscas e por demais maniqueístas para contestar esta assertiva. Vale o mesmo para quem não sabe ou se faz de ignorante sobre as diversas criações e inovações feitas pela engenharia pública nacional e por cientistas e pesquisadores de universidades públicas. Não precisamos ir longe. Podemos citar até algo relacionado com a Petrobras que, até onde sei, foi criadora de uma tecnologia de perfurações de poços de petróleo em alto mar que deveria ser motivo de orgulho de todos os brasileiros.

As razões para o destaque de suas declarações, da sua bala de prata, endereçada ao demônio Estado, devem-se, talvez, a um sentimento de autodefesa diante do temor que venha a ocorrer aqui o que está em curso nos EUA, país pobre, onde os muito ricos estão embaixo de mau tempo tomando cacetada, enquanto que aqui no Brasil, país rico, quando eles falam, são tratados como deuses que descem do Olimpo para dar conselhos para a tigrada, que somos nós. Assisti, em programa recente, a David Letterman criticando pesadamente bilionários reacionários no seu programa. Antes, e com mais frequência, Bill Maher deita e rola com os jecas bilionários. Ressalte-se que Jorge Gerdau, no quesito cultura, não se encaixa no perfil tosco dos jecas bilionários americanos.

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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor