A Copa do Mundo 2014 ainda nem começou nos gramados, mas, fora das quatro linhas, os mais variados setores de nossa sociedade vêm travando diversas batalhas ideológicas que têm o mundial como pano de fundo. Nessa “partida extracampo” estão os grupos contrários à realização da Copa (ou que pelo menos estão agourando o evento) e os setores cegamente favoráveis ao torneio realizado pela Fifa. Sendo assim, a dicotomia vai ter copa versus não vai ter copa é a principal discussão do momento no país.
No lado crítico à Copa está uma ampla gama de segmentos sociais que envolvem desde os setores mais conversadores, como a grande mídia, passando por facções criminosas, como o PCC, e chegando a grupos de extrema-esquerda, como os Black Blocs. Para a grande mídia, agourar o mundial é uma excelente oportunidade de atacar o atual Executivo federal. Nos últimos meses, foram inúmeras matérias que destacaram os atrasos e superfaturamentos nas obras de infraestrutura e nos estádios que vão sediar os jogos. Um grande fracasso na organização do evento pode representar o retorno dos partidos de oposição ao Poder máximo da nação. Até o apolítico cantor Latino afirmou que não faria música para a Copa, pois é contra petistas. Em ocasiões como a atual, o clássico complexo de vira-latas, sentimento de inferioridade que o brasileiro tem em relação a outros povos, é sempre evocado.
Entretanto, como o futebol movimenta milhões de dólares em cotas de patrocínio e gera elevados índices de audiência, a grande imprensa brasileira não pode boicotar totalmente o mundial. Sendo assim, a mídia hegemônica tem procurado despertar o anódino “ufanismo de Copa do Mundo”, importante mecanismo de dominação das massas e, em contrapartida, fica na expectativa de que, fora de campo, ocorram várias erros de organização.
Paradoxo lastimável
Já os indivíduos que defendem incondicionalmente o mundial estão, sobretudo, nos setores atrelados ao governo federal, como a “imprensa pelega” (representada pelo jornal Brasil 247, a revista Fórum, o portal Carta Maior e alguns articulistas de CartaCapital). Para a “esquerda pelega”, independente dos enormes gastos, dos desmandos da Fifa e dos prováveis usos de violência policial contra potenciais manifestantes, a Copa do Mundo só trará benefícios para o Brasil. Não obstante, segundo essa linha de pensamento, quem faz qualquer tipo de crítica à Copa é sumariamente taxado de reacionário ou “coxinha” e torcer pelo Brasil durante o mundial “é obrigação de todos os indivíduos progressistas”. Ou seja, um ufanismo que faria inveja aos governos militares.
Diante dessa realidade, cabem aqui algumas questões capciosas. Se a Copa do Mundo fosse realizada durante a gestão de algum partido da oposição, a mídia hegemônica faria tantas críticas ao evento? Será que os simpatizantes do atual governo teriam a mesma postura ufanista em relação à seleção brasileira se outra organização partidária estivesse no poder?
Em suma, esse é o atual status quo político no Brasil: de um lado, uma direita que aborda questões sociais como a falta de investimentos em saúde e educação, não como forma de engajamento social, mas para atacar o governo; e, de outro lado, uma pseudo-esquerda que, para perpetuar-se no poder não se furta em utilizar mecanismos de dominação típicos dos regimes mais reacionários. Lastimável paradoxo.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG