Em certa medida, a imprensa brasileira reflete os políticos brasileiros e as instâncias de governo brasileiras – isto é, um divórcio entre o que fazem e os reais interesses do povo brasileiro. Embora, desde já, caiba reconhecer que, dos mencionados, sem dúvida nenhuma é a imprensa que mais serve ao povo.
Algum tempo atrás, ouvi uma notícia, dada em geral com grande destaque pelos órgãos de mídia, sobre um acidente de ônibus com 15 mortos e 30 feridos no Paquistão; decerto uma notícia muito triste, principalmente para os familiares dos mortos e feridos. Mas o que essa notícia tem a ver conosco, os cidadãos brasileiros?
Por outro lado, vejo na cidade de São Paulo e também em cidades da Grande São Paulo um aumento crescente do número de empreendimentos imobiliários que foram e continuam sendo erguidos sem dar a mínima para as condições atuais de transitabilidade da região. Vimos há algum tempo na imprensa a notícia de que Hussain Aref Saab, ex-diretor responsável pela aprovação de empreendimentos imobiliários de médio e grande porte em São Paulo, adquiriu mais de 100 imóveis em sete anos de gestão no cargo. É claro que, em condições normais e legais, isso seria impossível para um cidadão comum, mesmo em se tratando de um cidadão político (embora, no Brasil, a rigor, essas duas palavras raramente possam ser usadas junto, por razões óbvias).
“Vagas vivas”
No bairro da Vila Olímpia, por exemplo, uma jovem advogada me relatou que fica 20 minutos na fila da garagem do prédio em que trabalha para conseguir acessar a rua e ir embora para casa. Outro exemplo: na Rodovia Raposo Tavares, as condições de trânsito estão absolutamente insuportáveis – para encontrar uma condição aceitável de trânsito, é preciso transitar antes das 05h30 da manhã ou depois das 21h00. E não há nenhuma ação da Polícia Rodoviária, que mantém um posto na rodovia: pessoas falando ao celular, ou então claramente bêbadas, transitam livremente em ziguezague pelas pistas da estrada; caminhões novos ou caindo aos pedaços, muitos sem placa e sem luzes de freio, transitam livremente pela pista da esquerda. Algum veículo da imprensa noticia esses assuntos? Não.
O mesmo se aplica a outras áreas de interesse no cotidiano dos cidadãos.
Na cidade de São Paulo e em cidades e regiões da Grande São Paulo, os cidadãos ficam frequentemente sem energia; várias vezes, por horas e horas – sem poder trabalhar, sem poder enviar e-mails de trabalho, sem poder telefonar (com o antigo telefone fixo agora atrelado a pacotes “combos” e também sem poder carregar a bateria do celular) e com alimentos refrigerados e congelados estragando e sendo perdidos. Quando isso acontece na minha região, recorro ao bom e velho rádio de pilha e fico rodando as estações de rádio AM em busca de alguma notícia – e nada! Só falam de futebol ou então de notícias nacionais e internacionais, no mais das vezes requentadas; nada que ajude o ouvinte local em sua necessidade imediata. Onde está a imprensa para dar notícias tempestivas dos apagões?
E quanto à manutenção das praças de São Paulo e da Grande São Paulo? Na cidade de São Paulo, vem agora o prefeito falar de “vagas vivas” – decks de madeira de empreendimentos privados invadindo as calçadas públicas. Cadê a manutenção das praças e de outros espaços públicos abandonados, sujos e tomados pelo mato? A imprensa precisa noticiar e, por tabela, interceder em prol dos cidadãos.
Greves e reivindicações
Enfim, é preciso que os órgãos de imprensa, diante de uma escolha/prioridade de publicação, deixem de lado, quando cabível, as notícias syndicated e que também abram espaço nas transmissões de futebol para dar cobertura às necessidades locais e para dar lugar a notícias que realmente façam a diferença na vida dos cidadãos brasileiros, sejam elas de âmbito local/municipal, estadual ou nacional.
E é impossível deixar de mencionar aqui o programa Voz do Brasil, produto radiofônico do governo federal desde a década de 1930 e conhecido popularmente como o “fala sozinho”. Está claro que esse programa é um ranço do governo ditatorial de Getúlio Vargas. Transmitido no horário de auge do rush nas metrópoles brasileiras, é preciso que o governo federal (isolado na “Ilha da Fantasia” do Distrito Federal) se dê conta de que esse é o horário em que os cidadãos das metrópoles brasileiras mais precisam de informações locais sobre o trânsito em suas cidades e que, se ainda assim achar imprescindível a transmissão desse programa dinossauro, permita às emissoras de rádio que o transmitam no horário que mais lhes aprouver.
Há mais um aspecto a mencionar: as notícias econômicas ou sobre as últimas – e frequentes – greves:
Notícias econômicas: a imprensa deveria “mastigar” para o cidadão comum as informações sobre índices e outros dados. Por exemplo, algum cidadão comum sabe o que significam os “pontos” de negociações na Bovespa? Ou então, deduzidas as despesas governamentais, o que mais daria para fazer com os impostos arrecadados? – no momento em que escrevo, a arrecadação federal está próxima dos R$689 bilhões.
Greves e reivindicações de grevistas: pelo que li e ouvi na imprensa, o único veículo a falar com detalhe da greve (inadmissível, abominável e ao arrepio da lei, uma vez que a greve foi julgada ilegal) por reajuste salarial dos metroviários de São Paulo foi a Rádio Jovem Pan, no programa Os pingos nos is, que revelou que a proposta de reajuste para os metroviários foi de 8,7% contra o índice de inflação de maio a maio de 5,2% – com nítido aumento acima da inflação no período – e que, só de vale-refeição e vale-alimentação, os metroviários recebem quase R$1.000 por mês (mais do que muitos ganham de salário por mês), além de receber pagamento de vale-creche de R$570,00 – para funcionários homens ou mulheres. Ou seja, uma greve claramente política e reprovável.
Para encerrar, concedo que esta é a visão de uma paulistana; mas creio que caiba em inúmeras cidades e regiões do Brasil.
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Lenke Peres é tradutora, poeta e autora do Dicionário de termos de negócios + termos relacionados português-inglês / inglês-português, Editora Saraiva