Miguel Nicolelis vai colocar uma pessoa com paralisia para dar o chute inicial da Copa do Mundo de 2014. Ela estará vestida com um esqueleto robótico e comandará o aparelho com ordens vindas do seu cérebro. O mundo verá um espetáculo científico gigantesco, que precisará ser explicado. E quando entra explicação, claro, entra jornalismo. Este será apenas o primeiro entre os muitos desafios que vamos enfrentar no torneio deste ano: como explicar facilmente uma imagem que mexe com os sonhos e as angústias de milhões de pessoas espalhadas pelo mundo?
É uma cena tremendamente inovadora e pedirá, naturalmente, algumas das ideias e ferramentas mais interessantes surgidas em jornalismo nos últimos anos. O robô de Nicolelis abre uma era de esperanças na ciência e a cobertura sobre ele, um horizonte de possibilidades para o jornalismo – brasileiro e mundial.
Desde a última Copa do Mundo, em 2010, aconteceram movimentos da magnitude de terremotos. Eles varreram redações, destruíram revistas, encerraram jornais, enterraram sites e programas de rádio e tevê. As perguntas sobre o fim do jornalismo se multiplicaram, com centenas de variações. Mas, ao mesmo tempo, outras formas de fazer surgiram. Os movimentos foram mais sutis, menos barulhentos, mas já estão moldando a forma como o jornalismo é feito dentro e fora do Brasil. Da mesma forma como a Copa dará visibilidade a anos de trabalho de laboratório de Nicolelis, ela também mostrará anos de experiência acumuladas em inovação em jornalismo.
A começar pelos maiores grupos de mídia. UOL, Globo Esporte, Terra, iG e R7 vão para a Copa com equipes bem grandes, só comparáveis ao que as tevês costumavam enviar aos mundiais na era pré-internet. Serão centenas de jornalistas, cinegrafistas, designers, programadores e especialistas em experiência do usuário jogando juntos e imaginando a melhor forma de mostrar, em múltiplas telas, o que está acontecendo nas 12 sedes do mundial.
Afinal, esta Copa vai ser tuitada, compartilhada e vista pela tevê, ao vivo e nas telas de tablets e celulares. Vários estudos recentes mostram que jogos de futebol são os eventos, por excelência, das múltiplas telas. As pessoas assistem aos jogos pela tevê e comentam a partida nas redes sociais pelos celulares e tablets. De olho nessas mudanças, vários sites grandes já mudaram suas páginas e as tornaram fáceis de usar em qualquer dispositivo. Você nunca sabe por qual aparelho o seu conteúdo será acessado.
Portanto, nos grandes portais, esta deve ser a Copa de muitos vídeos em tempo real e atualizações constantes, de olho na audiência que pode vir de qualquer lugar, a qualquer momento. Será uma Copa com muita informação, e uma oportunidade fantástica de ver em ação a leitura inteligente de dados. Nesta seara dos dados, aliás, a equipe da Veja.com, capitaneada pelo editor Rafael Sbarai, deve se destacar. Sbarai é especialista em jornalismo de dados, uma modalidade que consiste em condensar grandes quantidades de informação e mostrá-las da forma mais simples e interessante possível, a partir da ajuda de programadores e designers. O Estado de S.Paulo, no núcleo de Estadão Dados, com José Roberto de Toledo e Daniel Bramatti, sempre costuma vir com análises interessantes, especialmente sobre pesquisas de opinião. Vale a pena acompanhar o que virá deles.
Esse é um aspecto interessante deste Mundial no jornalismo brasileiro, já que dados sempre pedem um conhecimento além do jornalismo: esta também será a Copa da colaboração entre diferentes áreas. Grandes produtos jornalísticos são pensados por jornalistas, designers e programadores, todos juntos. Isso expande as possibilidades do que é possível fazer. Ainda na Abril, algumas novidades devem vir da equipe chefiada por Rafael Kenski, redator-chefe do núcleo digital de várias revistas da empresa, como Placar, VIP e Superinteressante. Kenski é pioneiro em newsgames no Brasil, modalidade jornalística que consiste em explicar fenômenos no formato de jogos eletrônicos, e um dos poucos jornalistas que transita tranquilamente pelo design e pela programação.
Também vale a pena ficar de olho em alguns veículos independentes que se vêm destacando bastante nos últimos anos. Eles nasceram como blogs e se transformaram em sites parrudos, com milhões de acessos por mês. Ah, sempre cabe, claro, um tanto de transparência: escrevo para alguns deles e sou amigo de pessoas que fazem alguns desses sites. Mas eu não seria maluco de recomendá-los se eles não estivessem fazendo trabalhos relevantes.
A Trivela (www.trivela.uol.com.br), um dos sites independentes de futebol mais antigos do Brasil, e o Impedimento (www.impedimento.org), especialista em futebol sul-americano, juntaram forças e fizeram um guia para pessoas malucas pelo esporte (www.guiafutebolnaveia.com.br/copa). Com geolocalização (o recurso no qual o aparelho reconhece onde você está e traça a rota a partir do seu local) e disponível em três línguas (português, inglês e espanhol), o guia permite conhecer os redutos e os pontos mais interessantes do futebol nas 12 cidades-sede do Mundial. É um trabalho inédito sobre cultura futebolística no País. Além disso, vale a pena acompanhar o site Esporte Fino (esportefino.cartacapital.com.br), uma referência da nova crônica esportiva digital, e os programas que eles fazem na rádio online Central 3 (central3.com.br). A qualidade dos programas e das análises desses sites independentes ajuda a
entender por que eles têm milhares de seguidores e fãs nas redes sociais.
Colunas, humor, internacionais…
Ainda nesse campo, vale ampliar o escopo e falar de sites que não são de futebol, mas vêm fazendo ótimas coberturas. A Agência Pública e suas séries especiais sobre o Mundial são imperdíveis, e devem continuar em junho e julho. Essas reportagens vêm mostrando o lado social da Copa como poucos veículos fizeram até agora. O Catraca Livre, projeto de Gilberto Dimenstein, deverá ser muito acessado por causa da programação de festas e eventos gratuitos que vão acontecer em paralelo à festa do futebol. E, se houver casos de machismo e homofobia, o Think Olga (ww.thinkolga.com), projeto de Juliana de Faria que mistura ativismo e jornalismo, deve se destacar. Vale a pena, aliás, conhecer o fantástico projeto que Juliana fez sobre Cláudia, a mulher arrastada pela polícia no Rio de Janeiro (http://migre.me/jrDzk).
Em vídeo, Bruno Torturra e a Mídia Ninja são referências obrigatórias. Se houver protestos, com certeza haverá streaming em tempo real. Mas não só. O pessoal do projeto Imagina na Copa (imaginanacopa.com.br) vem fazendo uma série de documentários jornalísticos sobre o Brasil construído e transformado nos anos que antecederam o evento. Eles estão fazendo uma série de documentários curtos, bem editados e bem narrados. A equipe online de Veja São Paulo, com Diógenes Muniz, também vem se destacando muito na seara de vídeos online bem produzidos, assim como a Folha de S.Paulo, no núcleo de João Wainer.
Parece pouco? Tem mais. Essa será a Copa no Brasil, mas ela não será uma Copa restrita a veículos completamente brasileiros – e justamente por causa da internet. O Yahoo, chefiado por Ricardo Lombardi, contratou uma série de colunistas entre alguns dos principais jornalistas do País. Claudio Tognolli e Laura Capriglione trabalham no portal e costumam trazer visões originais sobre o que vem acontecendo no País. Eliane Brum é colunista da edição brasileira e online do El País. E há, claro, as bem-humoradas listas do Buzzfeed Brasil, a edição local de um dos maiores sites jornalísticos do mundo. A equipe, recém-formada, conta com Manu Barem (ex-Jezebel Brasil), Rafael Capanema (ex-Folha de S.Paulo) e Clarissa Passos (ex-iG). O Buzzfeed é um dos produtos jornalísticos mais lucrativos do mundo e foi analisado extensivamente pelo New York Times no seu amplamente comentado relatório sobre o estado do jornal (uma versão resumida, em inglês, pode ser lida aqui: http://migre.me/jrE1P).
Se os brasileiros quiserem ir direto aos veículos estrangeiros, em inglês, também estarão bem servidos. Os EUA vêm vivendo uma fase bastante interessante. Novos veículos de comunicação estão surgindo com modelos de negócio claros e propostas editoriais relevantes. Some-se a isso o fato de que o país foi um dos maiores compradores de ingressos para o Mundial e… pronto! A Copa no Brasil estará no foco do Quartz, o site de economia do mundo real criado pelo grupo The Atlantic, e do FiveThirtyEight, o site de dados comandado por Nate Silver, que se tornou estrela mundial ao prever o resultado das eleições americanas de 2012. Ainda por lá, vale acompanhar o Vox, o site de jornalismo explicativo de Ezra Klein, ex-Washington Post, e a cobertura underground-extrema da Vice, uma das mais barulhentas e lucrativas iniciativas jornalísticas da última década.
A oferta de informação, de diferentes pontos de vistas e de variados formatos será enorme nesta Copa. A cobertura será multilinguística, multiplataforma e consumida em uma enormidade de telas. O jornalismo,
brasileiro e mundial, dará mostras do seu vigor e da sua enorme capacidade de reinvenção em termos de ferramentas e linguagem. E, depois da Copa, restará uma pergunta, claro. Como vamos financiar essa cobertura? Mas isso é assunto para outro texto…
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Leandro Beguoci é editor-chefe da F451