O humorístico Porta dos Fundos tem um esquete sensacional (veja aqui). Reproduz o diálogo de um editor de site de notícias com uma repórter, Bia, que tem um furo sobre a CPI da Petrobras, o assunto mais quente do momento. Irritado com o interesse dela por “fofocas”, como a cobertura do Congresso em Brasília, o chefe manda a moça dar plantão no Leblon, em busca de pautas sérias, como flagrar alguma celebridade. “Pode ser até famoso da Record!”, diz.
No final da conversa, um colega entra na sala agitado e avisa que a atriz Carol Castro está no Baixo Gávea jantando em um restaurante japonês. O editor, excitado com a notícia “sensacional”, grita, como nos velhos tempos da imprensa: “Parem as máquinas!”
Requintada ironia, corrosiva e iconoclasta, para ilustrar o que se passa no Brasil nos últimos tempos. Na falta de notícias de verdade, a produção de factoides está ficando cada vez mais sofisticada e, ao mesmo tempo, popular. Com R$ 140 é possível distribuir bolsa-plateia a pessoas especializadas em bater palmas para políticos e, com isso, criar um fato. O simples jantar de uma atriz vira notícia.
Com 30 desocupados, eu consigo bloquear a Avenida Paulista ou a Esplanada dos Ministérios. Dois caminhões propositadamente estacionados no meio da Marginal Tietê param a cidade de São Paulo. E tudo vira manchete sem a devida reflexão sobre a consistência da iniciativa.
Doze bolas grandes marcadas com cruzes e jogadas entre os prédios dos Ministérios, em Brasília, também vão para a home dos sites. Setenta manifestantes colando adesivos no ônibus da Seleção é outra imagem que merece destaque – eletrônico, de preferência, porque instantâneo, viral. Mas informar que gastamos o valor dos estádios por mês em programas sociais não é notícia.
O ativismo engrossa o caldo
Factoide é como feijoada: tem rabo de porco, costela de porco e orelha de porco, mas não é porco. As imagens que vemos são realidades virtuais. Não expressam, nada mais nada menos, do que a imagem ali posta. Não importa se ela contém ou não densidade social. Importa que chame a atenção ou que motive os anseios mais íntimos de um leitor pouco desinteressado. De uma sociedade que reage a reflexos condicionados.
Nunca foi tão fácil criar o nada que se transforma em alguma coisa importante. Sobretudo se virar uma boa imagem. É o perigoso cruzamento entre o mundo hollywoodiano e a manipulação da informação ao estilo comunista, fascista. E tudo isso em um ambiente que pretende ser democrático.
A profusão de factoides faz parte da civilização do espetáculo em que vivemos, onde entretenimento e notícia se confundem e dão margem a uma vida que corre dentro do realismo fantástico. O normal é rebaixado ao nível do desinteresse. O fantástico é que importa. Mesmo que, no limite, não tenha valor algum, resuma-se a uma imagem hiper-real de uma meia-verdade.
O mundo está cada vez mais assim. Mesmo que as pessoas comam mais, o câncer seja curável, a longevidade seja maior e a tecnologia integre. Nada disso causa sensações nos sentidos. Apesar de multiplicá-las. Para piorar, o ativismo de alguns na mídia engrossa o caldo.
Nada melhor do que o exagero para justificar posições políticas e, com isso, tentar despertar o indivíduo da letargia nesse imenso jogo de imagens que transita em uma sociedade que mal lê, gosta muito de falar dos outros e pouco do cidadão e de seu destino como tal.
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Murillo de Aragão é cientista político