Na segunda-feira (02/06), o jornal mais vendido de São Paulo causou polêmica. Com a manchete “Na USP, 6 em cada 10 estudantes poderiam pagar mensalidade”, a Folha acirrou ânimos antagônicos: de um lado, os que defendem um ensino superior público e custeado pelo Estado; de outro, os que não veem problemas numa espécie de privatização desse setor estratégico.
A maioria dos debatedores, porém, parece ter partido mais de suas convicções prévias do que do próprio texto da Folha. Um erro. Qualquer posição sobre a reportagem, para ser suficientemente fundamentada, deveria analisar com um pouco mais de cuidado qual foi o critério utilizado pelo jornal para afirmar que esses alunos de fato “poderiam pagar” a mensalidade. Com a pretensão de ser didático, divido esta conversa em tópicos.
Como calcular a mensalidade da USP?
Considerando que a universidade não tem fins lucrativos e ainda recebe 5% do ICMS de São Paulo, como chegar a um “valor de mercado”, ou mesmo a um “valor justo” a ser pago? Essa pergunta complexa foi resolvida de um modo simples: adotou-se um valor médio para as mensalidades, com base na média do que pagam os alunos da PUC-Rio.
Por que essa escolha? Elementar: segundo um ranking elaborado pela própria Folha, a PUC-Rio é a melhor instituição pública do país. Se os custos, os subsídios, os cursos oferecidos e a realidade econômica local equivalem ou não aos da USP, isso não vem ao caso.
A dúvida: será que, para calcular o valor de capa do jornal, o valor das assinaturas ou o valor dos anúncios, a Folha recorre a critérios de precificação igualmente sofisticados?
Quem é que pode pagar?
A notícia já avisa em seu primeiro parágrafo que, para determinar quem teria e quem não teria condições de pagar a mensalidade, adotou os mesmos critérios utilizados pelo Prouni, um programa federal para conceder bolsas em instituições privadas. Portanto, segundo a reportagem, os alunos não atendidos pelo Prouni são os que, necessariamente, podem pagar a mensalidade.
Nessa lógica bastante peculiar, o jornal divide os estudantes do ensino superior em dois grandes grupos: um seria composto pelos contemplados pelo Prouni; outro, composto pelos estudantes que “poderiam pagar” mensalidades. Tomando isso como verdade, o Prouni seria um grande sucesso, por não atender apenas aqueles que não precisariam do programa. Essa visão otimista soa pouco defensável: fosse ela verdade, como explicar que apenas 19% dos jovens entre 19 e 24 anos têm acesso ao ensino superior? Se todos que não se enquadram nos critérios do Prouni “podem pagar” (como afirma o jornal), por que não temos mais jovens nas faculdades brasileiras?
Outra questão: se fosse verdade que todos os estudantes não enquadrados nos critérios do Prouni podem pagar pelo curso superior, qual seria a finalidade do Fies, programa governamental destinado a financiar a graduação de estudantes matriculados em instituições pagas?
Os números mentem?
Recorrendo a números extremamente questionáveis, a Folha conseguiu vender como verdade que 60% dos alunos uspianos poderiam facilmente arcar com os custos de uma alta mensalidade. Se tudo não passou de um equívoco lógico-matemático da reportagem ou se existem interesses inconfessáveis por trás do texto, não nos cabe julgar. Em todo caso, o episódio faz lembrar uma bela máxima, repetida pela página A Bolha de S. Paulo: “Informar é humano, mas manipular é divino”.
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Henrique Braga é professor, redator em A Bolha de S. Paulo e militante no coletivo Revide