Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um erro que ajuda a entender o país

Involuntariamente, o jornalista Mario Sergio Conti deu uma boa contribuição ao esforço coletivo para entender a chamada realidade brasileira. Ele e seu entrevistado, Vladimir Palomo, demonstraram, de modo tecnicamente perfeito, que existe um discurso, facetado pela mídia jornalística, capaz de ser (re)produzido por, potencialmente, qualquer indivíduo.

As “declarações” do Scolari fake são de uma sensatez, de uma pertinência assombrosas. Provavelmente foi isso que fez Conti se enganar, comprar gato por lebre: a carne do gato sabia como a de lebre. Isso e, claro, a pressa de “dar furo”, que está longe de ser algo que afete apenas Conti. Ainda mais na era da internet.

Filtro falhou

Esse episódio poderia ter sido produzido no contexto de uma pesquisa de comunicação destinada a mostrar o quanto falas e percepções podem ter sua autoria permutada. Mas a coisa não ficaria tão boa. Foi uma comprovação perfeita.

Engraçado é que o filtro da redação não funcionou. Ninguém se deu conta de que Scolari não poderia ter sido encontrado naquele momento, ainda mais com Neymar, num voo da ponte aérea.

É assim mesmo que ocorrem as “barrigas” jornalísticas. Como em acidentes de aviação e jogos de futebol, desastres nunca podem ser atribuídos a uma causa única, embora, no caso, a iniciativa e o empenho tenham sido de Conti, nome que, pela longa e brilhante trajetória, “desarma” os mecanismos de checagem.

Novidade velha

Erros todo mundo comete. Em algum momento de 1988, o Jornal do Brasil deu no caderno especial de domingo, editado pelo competente Claudio Bojunga, elaborada reportagem que fiz a partir de um “esquema interpretativo” original, inédito, de fato muito interessante, proposto por um professor universitário de grande prestígio. Eu fora convidado a assistir a uma aula dele, para entender o que seriam os “nós” que estavam entravando o desenvolvimento nacional: político, militar, sindical. No fundo, um convite à ampliação do diálogo entre as forças organizadas da nação. Fazia todo sentido. Hoje, faz mais sentido ainda.

A matéria ocupou um espaço que nunca fora atribuído naquele caderno: três páginas. Além do discurso do professor, ouvi um político, um militar de alta patente e um veterano das lides sindicais. Na capa, belíssima ilustração de Bruno Liberatti inspirada no quadro de Pieter Brueghel Cego guiando cego em que os cegos usavam terno, farda, macacão.

Lindo. Maior não poderia ser meu orgulho naquele domingo e ainda por algum tempo. Acontece que, anos depois, já morando em São Paulo, descubro num depósito de livros com edições encalhadas o texto do meu amigo professor universitário. Tinha sido publicado anos antes da minha reportagem.

Mario Sergio Conti viveu o day after de sua mancada com espírito esportivo. Declarou, ao ser procurado por repórteres, que naquele momento gostaria de ser o sósia dele mesmo.

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