O dinheiro fala no futebol mundial, como acontece em qualquer campo, talvez até mais. Jogadores como Lionel Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar são marcas internacionais, tão conhecidas como qualquer estrela de Hollywood. Compare a massa salarial de um clube a sua taxa de sucesso: a correlação é esmagadora. Quando bilionários compram clubes como Paris Saint-Germain, Manchester City ou Chelsea, suas sortes mudam. Quando um país muito rico, como o Qatar, quer sediar uma Copa do Mundo, ele o consegue, mesmo se inteiramente inadequado para o empreendimento.
Tudo isso muitas vezes prejudica a beleza do jogo. Estrelas mal-humoradas e pagas em excesso, negócios escusos e agentes gananciosos de jogadores são agora parte do cenário. O futebol não é exceção no inexorável processo em que o autêntico e o genuíno são solapados pelo poder do dinheiro e pelas imagens fabricadas.
Até que surgiu Diego Simeone e seu “futebol socialista”. Pense nele como o Thomas Piketty do mundo do futebol. É impossível compreender o que está acontecendo na notável Copa do Mundo no Brasil sem considerar o impacto dele.
Simeone, um argentino, é o gerente do clube espanhol Atlético de Madrid que, contra todas as chances e tudo o que descrevi acima, ganhou La Liga (o título da liga espanhola) este ano, triunfando sobre o Barcelona (de Messi e Neymar) e Real Madrid (de Cristiano Ronaldo). Aqui, o normalmente confiável indicador de sucesso da massa salarial se quebrou. Os jogadores do Atlético ganham uma fração dos salários de seus ilustres rivais.
O que o Atlético teve foi unidade, coesão, determinação, energia e autoconfiança. A cultura do grupo derrotou a cultura do superstar. Simeone falou com orgulho de seu lado classe trabalhadora numa Espanha em que o desemprego entre os jovens é maciço. “Nós nos vemos refletidos na sociedade, em pessoas que têm de lutar. Elas se identificam conosco. Somos uma fonte de esperança”, disse ele.
A Copa revolucionária e da esperança
Toda tendência produz uma outra em contrário. O futebol não é exceção. Esta Copa do Mundo não tem sido a das estrelas, mesmo com todo o brilhantismo de Neymar e Messi. Tem sido o de equipes não celebradas, nos moldes do Atlético, jogando de forma intensa, coesa e nunca desistindo. Sua pressão constante mandou para casa seleções como as de Inglaterra, Itália, Espanha e Portugal de Ronaldo, provocando ainda medo no Brasil e na Holanda. Estou falando de Costa Rica, Chile (muito azarado ao perder do Brasil em cobranças de pênalti), México (roubado nos últimos minutos de uma merecida vitória sobre a Holanda) e, a seu modo, os bravos Estados Unidos de Jürgen Klinsmann.
Aqui na França, cuja seleção se classificou com dificuldade para a Copa, muito se fala de como as vitórias têm surgido da ausência de suas estrelas. Franck Ribéry, um brilhante atacante, estava lesionado e Samir Nasri, atacante maravilhosamente criativo, foi deixado de fora por ser considerado um criador de casos. (A França fez uma campanha desastrosa na última Copa, na África do Sul, com os jogadores em revolta aberta).
O resultado de sua ausência tem sido uma França mais “socialista”, com muitos bons jogadores, mas nenhuma estrela, e uma ética do trabalho duro na imagem do meio-campista Blaise Matuidi. Ritmo intenso e coesão produziram melhores resultados. (Eu escrevo antes de a França enfrentar a Nigéria).
A França já marcou oito gols em três jogos numa Copa do Mundo que, antes de chegar às quartas de final, já viu tantos gols serem marcados (145 na hora em que escrevo) quanto em toda a Copa sul-africana. Isto reflete uma mudança no jogo. Em toda área houve uma reação: arbitragem (menos restritiva, mais inclinada a deixar o jogo correr); estilo (mais voltado ao ataque, menos cauteloso); e jogo em conjunto (a ascendência do ritmo acelerado, estilo Simeone, de todos por um).
Duvido que Ann Coulter, a comentarista conservadora americana, tenha ouvido falar do “futebol socialista” de Simeone quando, recentemente, lamentou a decadência moral que ela vê no crescente interesse americano pelo esporte. Ainda assim, foi intrigante ela ver uma agenda liberal num esporte no qual “conquista individual não é um grande fator” e “não há heróis”. Como um sábio idiota que tropeça num grão de verdade através da total ignorância, ela estava no caminho certo. Esta é a Copa do Mundo do anti-individualismo.
(Coulter não consegue ver que o futebol está crescendo em popularidade nos EUA porque a seleção nacional está melhorando, os hispânicos são hoje 17% da população americana e os EUA estão se tornando globalizados, como todo o resto do mundo. A força do núcleo americano está em constante reinvenção, em parte via imigração; o crescimento do futebol não é uma fraqueza.)
É claro, ofertas multibilionárias de clubes de propriedade de bilionários pelas melhores estrelas socialistas de Simeone estão em vias de desarticular o time do Atlético. Simeone mesmo pode ser atraído para outro clube por algum gordo contrato. O dinheiro seguirá falando. Mas, antes que o faça, aproveite esta Copa do Mundo revolucionária e a esperança que ela encarna.
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Roger Cohen é colunista do New York Times