A NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) penetrou em e-mails, mensagens de voz e contas pessoais de milhares de cidadãos americanos na internet, e seus operadores estão intrigados com algumas descobertas. Numa delas, duas mulheres de Blackfoot, Idaho, discutiam o orgasmo. Uma só reconhecia o orgasmo vaginal; a outra admitia também o clitoridiano, desde que o cônjuge não percebesse. O problema não estava no assunto, mas no fato de elas serem do Idaho, estado em que há anos não se registra um orgasmo.
Fotos de um homem branco, de 50 anos, magro, calvície incipiente, camiseta regata, calça de pijama e chinelos circularam entre associados de um clube de leitura em Boston. A NSA apurou tratar-se de um escritor, autor de um único romance, de 800 páginas, inédito, e que ele tenta publicar pelo sistema de crowdfunding. Mas a crowd não parece muito empolgada. A agência está lendo o romance em busca de implicações outras.
E por aí vai, sendo que esses são dos raros casos em que a possibilidade de algo suspeito é pouco maior do que zero. O grosso das interceptações da NSA tem como alvo senhoras patuscas, maridos exemplares, noivas dedicadas, garotos sardentos, vizinhas fofoqueiras, solteironas empedernidas e outros exemplares da vasta galeria que veio ao mundo para ocupar espaço. Foi o que concluiu o Washington Post ao examinar 22 mil relatórios desviados da CIA e da NSA e passados ao jornal em 2012 por um ex-agente – Edward Snowden.
A NSA está sendo acusada de, ao vasculhar as redes em busca de terroristas, invadir a intimidade de gente que não oferece perigo –e de quem até pode ter o que esconder, mas por outros motivos, como homens casados secretamente apaixonados pela cunhada, pela secretária ou pelo síndico do prédio.
E, claro, ela está nos investigando também.
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Ruy Castro é colunista da Folha de S.Paulo