Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Em busca de uma imprensa crítica

A não regulação da mídia brasileira remeteu a categoria de jornalistas e comunicadores sociais a um período de escuridão absoluto. Ou quase. Nele, o exercício da musculatura para o exercício das liberdades democráticas de expressão está obrigando a sociedade a assistir, pasma, ao surgimento de novos mártires, agora marcados pelo silêncio, tais os caminhos tortuosos que todos somos obrigados a percorrer para a desobstrução dos canais para a veiculação das demandas sociais.

Essa ambiguidade política levou recentemente a escritora Adélia Prado, de sismógrafo neural ligado, a identificar sintomas de uma ditadura no atual regime.

O Conselho Nacional de Justiça ainda não levantou, mas já deve beirar os 500 os processos do Judiciário no interior do país contra jornalistas no exercício da sua capacidade de observação crítica. Tais processos exigem indenizações faraônicas, como são os casos dos jornalistas Fernando Araujo e Bleine Oliveira, de Alagoas, que, se condenados, correm o risco de passar o resto da vida na cadeia e trabalhando só para pagar as indenizações.

O artigo semanal do experiente jornalista-escritor Alberto Dines no Observatório da Imprensa, intitulado “Faltou Tudo. Principalmente uma imprensa crítica”, diagnostica a realidade da mídia brasileira hoje. Ele elucida a angustiante pergunta dos nossos dias: por que a seleção brasileira tomou uma goleada em menos de 10 minutos?

A falência do jornalismo esportivo

O jornalismo esportivo aparentemente percebeu com bastante antecedência que estava tudo errado com a seleção, desde a convocação do técnico e dos jogadores até sua escalação. Mas nada questionou. Por que esse silêncio? Cumplicidade? Acomodação? Perda de rumo?

A essência do bom jornalismo, aprende-se na redação ou na escola, é a dúvida. Duvidar sempre é o caminho para se encontrar a verdade. Se alguém sabia que estava tudo errado, por que não botou a boca no trombone? Depois do desastre, pouco adianta a crítica. Ou adianta: para que não se repitam os mesmos erros.

Parece uma ladainha, mas não é: a capacidade de crítica social da imprensa brasileira praticamente desapareceu depois da Constituinte de 1988. Foi como se o fim da censura prévia da ditadura militar tivesse castrado a todos, os jornalistas e comunicadores sociais e donos da mídia. A obstrução dos canais de comunicação é um pântano, onde atuam as forças políticas retrógradas. A vitalidade da imprensa é o principal parâmetro da democracia. Sem isso, a pluralidade e a diversidade, tão caras no mundo moderno, convertem-se em penduricalhos da burguesia intelectual.

Participei, com o próprio Dines, de uma experiência jornalística extraordinária: o salto da tiragem e venda de 21 mil exemplares/dia do diário Folha de S.Paulo em 1975 para 1 milhão e 500 mil/ dia em 1978: o leitor comprava a guinada crítica da folha, saboreando a verdade com a abordagem que não tinha visto ainda em nenhum outro jornal. Claro: no comando estava um profissional inigualável, o jornalista Claudio Abramo, que aliava sua visão global da sociedade a um impulso irresistível ao exercício das liberdades democráticas.

A falência do nosso jornalismo esportivo faz parte desse escombro a envolver a seleção brasileira.

Craque na crítica esportiva, o velho jornalista João Saldanha, se vivo fosse, teria iniciado seu show crítico particular desde o ano passado nem que fosse a bordo de um alto-falante, sozinho, no meio de uma praça.

É mesmo pobre, caro Dines, um país que precisa de heróis.

******

Reinaldo Cabral é jornalista e escritor