Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O nacionalismo pueril

O pensador austríaco Karl Popper, pouco antes de morrer, em 1994, escreveu um pequeno e inusitado livro sobre a mídia televisiva, Televisão: Um Perigo para a Democracia. Na obra, contrariando as centenas de ideias conspiratórias que então circulavam sobre o tema – como as do sociólogo francês Pierre Bourdieu –, advogava que um dos maiores problemas da televisão é pura e simplesmente o baixíssimo nível cultural de uma parte considerável de quem nela atua.

O argumento parece demasiado prosaico, mas, venhamos e convenhamos, tem um poder explicativo imenso quando aplicado ao que se tem visto na programação das redes nacionais nestes sonoros e conturbados tempos de Copa das Copas. Resolve pouco o problema, mas alivia imensamente o espírito saber, por exemplo, que é a precariedade de raciocínio e a completa ignorância dos conhecidos perigos de se promover o nacionalismo irracional e belicoso da população que levam locutores esportivos a acusar um atleta de outro país de “criminoso”, de atentar deliberadamente contra a integridade física de um atleta nacional, ou de alardear a leviana ideia de que há uma conspiração de entidades internacionais contra o futebol brasileiro ou, ainda, o que é pior, de associar, de forma barulhenta e com olhos marejados, a honra e o orgulho nacional a partidas de futebol.

Acalma ligeiramente a alma, do mesmo modo, pensar que é em razão da completa falta de referências sobre outros povos e da consequente incapacidade de escapar aos estereótipos mais rasteiros sobre o “outro” que um jornalista é levado a escrever “peças poéticas” sobre o confronto de seleções, lançando mão de lugares comuns como “alemães trabalhadores e metódicos” contra “brasileiros criativos e improvisadores”. Certamente o autor, que queria somente cantar as enormes dádivas dadas pela natureza a este belo povo dos trópicos, desconhece por completo que, ao exaltar tal lugar-comum, está exaltando uns outros tantos historicamente a ele conectados: a incapacidade do brasileiro para o trabalho sistemático, a crença de que o esforço é para os não escolhidos por Deus (os outros conquistam com trabalho, nós recebemos espontaneamente da natureza), a crença de que somos um povo dos “afetos”, avesso à racionalidade, e por aí vai.

“Nacionalismo” não é ideológico

Dá um certo conforto íntimo, também, saber que é por singeleza de espírito que muitos jornalistas fazem um esforço enorme para insistentemente criar defensores e salvadores da mãe pátria ofendida, heróis nacionais de chuteira, com pouco mais de duas décadas de vida, que têm a triste e dura missão de levar nas costas e dar solução para todas as contradições e frustrações de uma sociedade que espera ser virtuosa ao menos no futebol, esporte que há décadas ela é levada a acreditar piamente que sintetiza o caráter, o bom caráter, nacional.

Enfim, não soluciona, mas consola saber que parte considerável do nacionalismo pueril e socialmente danoso que vem sendo sistematicamente alimentado por parcelas da mídia televisiva nestes tempos de confronto de seleções não é, digamos, inteiramente ideológico, como pensam os amantes das teorias conspiratórias que povoam este conturbado país. Parte dele – uma parte significativa – é de certo modo genuína: vem de gente mal preparada que, com as melhores intenções, julga se dirigir a outros igualmente limitados.

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Jean Marcel Carvalho França é professor livre-docente de História do Brasil na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e autor, entre outros, de Viajantes Estrangeiros no Rio de Janeiro Joanino