Há notícias de primeira página que nunca chegam à primeira página. Ou por falta de espaço – caso do Brasil no último mês, quando o futebol dominou as primeiras páginas de todos os jornais – ou por decisão editorial. Entre as notícias de primeira página que não viraram manchete durante a Copa está a declaração formal das Forças Armadas brasileiras que nada de anormal, como tortura e mortes, aconteceu em qualquer dependência militar no Brasil no período da ditadura. E pronto. Notícia paralela que também ficou nas páginas internas, ou só com chamada na capa, foi a da prescrição do caso da bomba no Riocentro, que não será mais investigado. Também: assunto encerrado. Quem insistir que houve tortura e morte nos quartéis durante a ditadura, segundo o relato de sobreviventes e averiguações criteriosas já feitas, estará chamando a instituição militar brasileira de mentirosa. Sobre a ação criminosa abortada pela explosão prematura daquela bomba no Puma jamais se saberá mais nada.
Outra notícia que merecia manchetes, mas não passou do bloqueio da Copa, foi a de que, dos 32 países que participaram do campeonato, o Brasil foi o que apresentou maior queda nos índices de mortalidade de crianças de até cinco anos de idade nas últimas décadas. Maior do que ocorreu na Alemanha, na Holanda e na Argentina, para ficar só nos quatro finalistas da Copa. Os dados são da Parceria Para a Saúde Materna e Recém-Nascidos e Crianças, entidade coordenada pela Organização Mundial da Saúde. A divulgação destes números com o destaque merecido talvez diminuísse os insultos à presidente, que, estes sim, sempre saem na primeira página. Ou talvez aumentassem, vá entender.
Por quê?
O terremoto que arrasou Lisboa também sacudiu a intelectualidade europeia da época, que se dividiu entre os que consideravam a catástrofe um ato de Deus para punir a pecaminosa capital portuguesa e os que diziam que a natureza, e não um Deus cruel, era responsável pelo cataclismo. Voltaire manteve que o terremoto provava a inexistência de Deus e fez pouco dos que defendiam que era um castigo divino, num famoso poema em que perguntava: se o objetivo era acabar com o pecado, por que escolher logo Lisboa, e não Paris, onde havia muito mais pecadores, “mergulhados nas delícias”, do que em Lisboa? “Lisboa está arruinada”, escreveu, “e dança-se em Paris.” Exatamente o que sentimos depois dos 7 a 1, guardadas todas as gigantescas proporções. Nosso futebol está arruinado, e dança-se em países que não têm metade das nossas taças e glórias. E por que nós?!
******
Luis Fernando Verissimo é colunista de O Globo