Enquanto assistimos aos EUA, Ucrânia e toda a mídia ocidental, partes de todo desinteressadas na tragédia, na atrocidade ocorrida com o voo MH17 da Malaysia Airlines, apontar o dedo para Putin e os separatistas do leste, só podemos chegar a conclusão, ainda que sem provas, de que realmente foi a Rússia a culpada por este atentado. Neste caso, o que vale é a velha prática da repetição incansável que torna uma mentira, verdade.
Afinal, os anteriores casos de intervenção da Otan – leia-se Iraque, Afeganistão e Líbia – foram um “sucesso”. As acusações histéricas, bem similares às que vemos atualmente nos noticiários, foram confirmadas e o Ocidente levou dignidade e democracia para os povos.
Deixemos de lado o sumiço da gravação das comunicações entre a aeronave e a torre de controle de Kiev, capital ucraniana. Os “democratas” do Euromaidan, os neonazistas do Pravy Sector – que em Odessa incendiaram a Casa dos Sindicatos, assassinando 38 pessoas – já comprovaram total lisura e comprometimento com princípios humanistas. Também precisamos ignorar a ausência de imagens e do rastreamento dos três caminhões necessários para operar um sistema antiaéreo Buk: o de comando, o do radar e o de disparo do projétil. É perfeitamente plausível a hipótese dos radares de Kiev e do sistema orwelliano de espionagem de Washington não terem captado estas movimentações.
Após todas as reações internacionais, é imperativa a constatação de que os “separatistas pró-Rússia” prestaram um valioso serviço a seus inimigos. Na semana passada, antes deste incidente, Washington impunha mais sanções econômicas à Rússia. Seus parceiros da União Europeia preferiram não aderir. No mesmo dia de anúncio das medidas, diversos setores empresariais norte-americanos as desmoralizaram por meio de publicações na mídia corporativa. Alegavam que a Casa Branca se encontrava isolada na iniciativa e que as sanções somente serviam para que perdessem espaço no mercado para os europeus.
Desdobramentos do evento
Enquanto pela América Latina, o que se via era Putin percorrendo uma série de países, se aproximando política e comercialmente deles. O Brics criou o Novo Banco de Desenvolvimento e o Arranjo de Reservas Contingentes. Estes fatos denotaram um verdadeiro furo ao bloqueio que EUA/UE estavam impondo a Moscou. O que ocorreu, com os EUA assistindo impotentes, foi a criação dos primeiros organismos econômico-financeiros internacionais que não estarão sob tutela dos próprios. Para Washington, que se guia pelo princípio de contenção e isolamento de qualquer potência que ameace seu posto, o giro de Putin na região que é considerada seu quintal, e a concomitante ascensão formal do Brics, é interpretado como verdadeira afronta à sua hegemonia.
Relembremos as linhas gerais da doutrina norteadora das relações internacionais dos EUA: “Nosso primeiro objetivo é impedir a re-emergência de um novo rival, seja no território da ex-União Soviética ou em qualquer ponto, que represente ameaça da ordem que exerceu, antes, a União Soviética. Essa é a consideração dominante que subjaz à nova estratégia regional de defesa, e exige que trabalhemos para impedir que qualquer potência se imponha, numa região cujos recursos, sob controle consolidado, bastarão para gerar poder global.”
E então temos que, providencialmente, um avião comercial, repleto de civis das mais variadas nacionalidades, foi abatido pelos capangas de Putin. E o que ocorreu posteriormente?
O que vemos agora é a Alemanha, a Inglaterra e a França convencidas de que precisam impor mais sanções à Rússia. Vimos também o Congresso norte-americano aprovar medidas de “ajuda” a seu governo vassalo de Kiev. A Ucrânia ainda beneficiou-se de todo ódio que grande parte do ocidente dirige agora aos separatistas, o que ajudará ainda mais no sentido de fecharmos os olhos para as atrocidades que o governo ucraniano comete reiteradamente na região.
Considerando o veredito final, desprovido de provas, de que os “separatistas pró-Rússia” são os autores deste atentado ao voo MH17 da Malaysia Airlines, é forçoso reconhecer ao menos que, os desdobramentos do evento foram completamente pró-EUA. Intrigante.
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Rennan Martins é blogueiro