O Brasil está passando por um período de intensa mobilização ideológica. Os reflexos das manifestações de junho do ano passado, a recém-terminada Copa do Mundo (e as polêmicas sobre a realização ou não do mundial), a proximidade das eleições presidenciais e o advento das redes sociais (espaços onde não há limites para a liberdade de pensamento) são alguns dos motivos que têm ensejado calorosos debates. Nesse contexto demasiadamente conturbado, a postura “politicamente correta” – e sua antípoda, “politicamente incorreta” – tem sido bastante utilizada pelos mais diferentes agentes sociais.
Desse modo, torna-se imprescindível examinarmos criticamente os significados e quais os intuitos ideológicos das expressões em questão. Segundo o estadunidense John K. Wilson, “politicamente incorreto” é uma forma de expressão que procura externalizar os preconceitos sociais sem receios de nenhuma ordem. Na grande mídia brasileira, sob o prisma do “politicamente incorreto”, preconceitos, estereótipos e visões de mundo são obscuramente difundidos sem que os telespectadores tenham a real noção das intenções de certas atrações televisivas.
Especialista em fazer piadas com negros e mulheres, entre outras minorias, o humorista Danilo Gentili, apresentador do programa The Noite exibido pelo SBT, é um dos maiores expoentes do “politicamente incorreto” em nosso país. “É um humor rasteiro, legitimador de discursos e práticas opressoras e que tenta se esconder por trás do riso. Sendo a sociedade racista, o humor será mais um espaço onde esses discursos serão reproduzidos”, asseverou a blogueira Djamila Ribeiro, em um texto escrito no site da revista CartaCapital. Já no livro Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, Leandro Narloch, ao ridicularizar Zumbi dos Palmares, procura diminuir a importância do líder quilombola para a história do Brasil e também deslegitimar as lutas dos negros brasileiros.
“Politicamente sensato”
Por outro lado, a postura “politicamente correta”, que consiste em utilizar uma linguagem supostamente neutra em termos de discriminação e evitar que possa ser ofensiva para certas pessoas ou grupos sociais, apesar de aparentemente bem intencionada, pode ser tão perniciosa quanto o seu antípoda. O indivíduo politicamente correto enxerga preconceito em tudo o que lê e assiste e, para ele, a melhor maneira de acabar com determinadas posições consideradas nefastas é a adoção de mecanismo que possam controlar o que pode ser publicado e exibido.
Recentemente, em um programa do canal SporTV, o escritor Eduardo Bueno, em tom jocoso, ao fazer um comentário sobre o Brasil Colônia, se referiu ao nordeste como “aquela bosta”. Descontextualizada, a afirmação pode ser facilmente considerada uma forma de preconceito. Entretanto, qualquer indivíduo com o mínimo de discernimento que assistiu à declaração de Bueno chega à conclusão de que se tratava de uma brincadeira (se foi engraçada ou não, aí já é outra situação). Mas não foi assim que os adeptos do “politicamente correto” pensaram. Frases como “escritor é preconceituoso com o povo nordestino” inundaram as redes sociais para os delírios paranoides dos “politicamente corretos”.
Portanto, nem “politicamente incorreto” e, tampouco, “politicamente correto”. Enquanto o primeiro, típico dos novos direitistas, pode ser um poderoso pretexto para disseminar preconceitos; o segundo, adotado pela esquerda ingênua, pode representar uma postura que mina a liberdade de expressão ou a autonomia de pensamento e, em casos mais graves, levar a uma “ditadura de opinião”. Sendo assim, devemos ter a cachimônia de evitar posições precipitadas e maniqueístas. Cada situação deve ser analisada individualmente, de acordo com o bom senso. O ideal é ser “politicamente sensato”. Todavia, não sejamos ingênuos. Num país em que o termo esquerda está equivocadamente associado a um governo assistencialista ou ao “ufanismo de Copa do Mundo” e a direita detém o monopólio dos meios de comunicação, seria absolutamente quimérico acreditar que as posturas “politicamente correta” e “politicamente incorreta” deixem de ser predominantes. Lastimável realidade.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG