No final da década de 1990, quando acessar a internet ainda era privilégio para poucos no Brasil, estudiosos debatiam a mudança que ocorreria dali a alguns anos na relação dos veículos de comunicação com o público. Ao contrário do tradicional modelo “emissor e receptor”, o segundo não seria mais um mero absorvedor de mensagens. Poderia, finalmente, debater a informação ou opinião, questionar, concordar, discordar, apresentar novos dados, e tudo isso dentro do próprio veículo que emitiu a mensagem. O tempo passou e pudemos constatar que a diferença entre a teoria e a prática foi brutal. Atualmente, os murais dos maiores portais, sites e blogs de notícias são dominados por trogloditas virtuais que, de maneira virulenta, espantam os que podem e querem debater com sobriedade. A grande mídia, que é dona desses portais, sites e blogs, tem como frear isso, mas de maneira cínica e irresponsável deixa o baixo nível reinar.
Nos últimos anos, tornou-se impossível para alguém com um mínimo de bom senso comentar qualquer fato nos murais e fóruns, pois, dependendo do que escrever, logo será atacado por trogloditas virtuais que passam o dia todo fiscalizando alucinadamente notícias postadas nas redes, especialmente as que tratam de temas relacionados à política. Em alguns desses sites, é informado o número de vezes que um internauta postou e aí três detalhes assustam: o primeiro é que há pessoas com 6, 7, 8 mil comentários, sendo que dezenas em um mesmo dia (quanta ociosidade e falta de vida social); o segundo é que a quase totalidade das postagens dessas pessoas traz apenas inverdades ou ataques chulos a alguns políticos ou aos que ousam pensar diferente delas; e o terceiro é que muitas mensagens, além de ofensivas e inverídicas, são repetidas e utilizadas em diversos murais, ou seja, o valentão de araque usa do bom e velhor Ctrl C + Crtl V para multiplicar a sua sujeira.
Pensa que a insanidade para por aí? Espera que vem mais. Vários dos trogloditas virtuais criam inúmeros perfis falsos para dar a sensação de que há dezenas concordando com ele. Os exércitos fakes servem principalmente para bombardear quem, de maneira desavisada, entrou num mural e tentou dar uma opinião produtiva. Ao receber tantos ataques, é claro, a pessoa não volta mais. Não são dois ou três que adotam esse expediente, são vários. Até existem alguns mecanismos para poder se registrar e opinar nos grandes portais de notícias, mas é possível driblá-los com extrema facilidade (ainda mais para quem tem tempo de sobra) e criar quantos clones covardes e fascistas o internauta quiser.
Cinismo e omissão
Graças a toda essa agressividade, a possibilidade de termos debates construtivos nos grandes portais, sites e blogs foi sepultada. Isso, por si só, já deveria ser motivo de preocupação para os que trabalham com a comunicação, mas há ainda um outro grave problema; sabendo da pouca capacidade de milhões de internautas distinguirem verdade de insanidade, os trogloditas virtuais já invadiram as redes sociais e com muita facilidade estão conseguindo fazer com que seu ódio e suas inverdades sejam compartilhados por pessoas de boa índole, mas que acreditam em qualquer absurdo. Lembram da história de que o governo pagaria um auxílio mensal a todas as prostitutas? Então, foi criada por eles, mas divulgada por milhares de inocentes (eufemismo) úteis.
Diante do caos instalado nos murais, chegamos à óbvia constatação de que os grandes portais, sites e blogs deveriam ser mais rigorosos com o conteúdo de seus usuários. Não basta apenas proibir palavras obscenas ou claras manifestações de preconceito; há várias formas de ser muito mais virulento sem recorrer ao “palavrão” e também há muitas maneiras de maquiar a intolerância usando de estratagemas dignos de Bolsonaros da vida. Portanto, caberia uma análise mais profunda do problema visando chegar à adoção de critérios que permitiriam a liberdade, mas não a libertinagem da expressão.
Antes que o lado cínico da mídia ou os trogloditas virtuais usem a desculpa de que impedir a baixaria doentia em murais seria uma forma de censura, cabe lembrar que regras fazem parte de qualquer sociedade civilizada. Quem realmente quer se expressar, encontra a maneira adequada de expor seu ponto de vista de maneira clara, sem necessitar da truculência, da mentira e da perseguição para inibir quem pensa de maneira diferente.
Velha mídia está um passo à frente
Além disso, se houvesse seriedade por parte da grande mídia virtual, já teriam sido criados mecanismos mais eficientes para que um usuário pudesse postar apenas se estivesse devidamente identificado. Só isso já serviria para inibir os ataques dos trogloditas virtuais, sim, porque a “valentia” deles (que sempre começa e termina na internet) só existe porque eles se sentem seguros através dos vários perfis falsos que criam na rede.
As pessoas com capacidade de debater, ainda tem o consolo de existirem alguns endereços virtuais que, apesar de contarem com um número bem menor de internautas, propiciam a chance de opinar, concordar ou discordar, dentro de padrões de civilidade. Esses “locais” onde a pluralidade de ideias vem acompanhada do respeito, podem ser considerados como ilhas de decência, cercadas por um mar de sites, portais e blogs onde grandes e pequenos tubarões atacam ou contaminam os navegadores desatentos.
Quem acreditou que a internet revolucionaria o processo de comunicação e reduziria muito o poder de manipulação, hoje constata que foi utópico. A velha mídia sempre está um passo a frente e soube como usar a interatividade a seu favor. O que ela defende e o que ela ataca estão presentes mais do que nunca nesses murais, ou alguém acredita que se não estivessem, ela permitiria?
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Marcelo Jorge Moraes Rio é professor universitário e jornalista