Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Bola pro mato

Num mundo de comunicação instantânea como o de hoje, o multifacetado retrato da historicamente turbulenta saga humana – a cargo e sob a batuta da mídia –, mal e mal dá para digerir, quanto mais racionalizar. Há um acúmulo de fatos, informações e versões desencontradas e déficit de intérpretes confiáveis. A consequência disso é a exacerbação do processo de manipulação coletiva incrementado pela ditadura das mídias audiovisuais, que quando não impõem, dão a palavra de ordem.

Caso da tragédia que vitimou o candidato à Presidência Eduardo Campos, transformada num megashow midiático cujo ápice, o concorrido cortejo em Recife que contou com presença de milhares de pessoas e da classe política em peso, transcorreu sob um clima de comoção e idolatria com notório direcionamento para repercutir no quadro sucessório.

E nem poderia ser diferente, face à combinação da inevitável carnavalização da tragédia com o inescrupuloso oportunismo do jogo político. Conjunção, no caso, rara e inesperada que abre a possibilidade de subverter um cenário que parecia fadado a repetir a polarização entre petistas e tucanos e que faz com que o anúncio dos novos números dos institutos de pesquisa sejam aguardados como o dia do juízo final.

Por uma dessas fatalidades reverberantes e cruciais, todos se veem feito baratas tontas diante do novo e inesperado cenário, sem saber como ficarão as coisas com o desaparecimento daquele que era visto tanto como azarão como possível fiel da balança nas eleições. Ou seja, se vivo já era uma peça importante no tabuleiro eleitoral, seu papel póstumo acena com a perspectiva de uma grande reviravolta.

O fator Marina

A confirmação da entrada de Marina na disputa embaralha o jogo e deixa todos baratinados e encafifados. E quando eu digo todos, são todos mesmo: situação, oposição e respectivos ventríloquos midiáticos e, por que não dizer, a própria população, que por vias tortas se vê induzida a acreditar que o melhor candidato saiu tragicamente de cena. Tudo bem que referências póstumas costumam ser compassivas ou no mínimo complacentes, mas com tantas qualidades e aptidões unanimemente reconhecidas, como a opinião pública não sacou isso antes?

Não sacou ou não quis dar a devida atenção ao discurso que agora é exaustivamente repetido nos obituários compungidos da mídia. Sim, Campos tinha uma agenda interessante, propostas que soavam até mesmo como inexequíveis, meras promessas de campanha, por implicarem numa improvável reengenharia em políticas públicas e gestões governamentais que nenhum governo até hoje conseguiu. Afinal, a governabilidade é feita de alianças e com a coalizão de partidos que bancou sua candidatura minoritária em relação aos partidos hegemônicos, a ruptura com o modus operandi entranhado em 20 anos de reinado tucano e petista é coisa para inglês ver.

O que parece líquido é certo é que Marina entra na disputa com um lastro bem maior que o candidato original e, por conta dos últimos acontecimentos, com potencial para não só complicar a vida de Dilma e Aécio, como reverter o jogo a seu favor. Perspectiva tão viva que não demorou para que os serviçais da mídia engajada já se ocupassem em minar o terreno, atacando os pontos controversos do programa original da Rede da Sustentabilidade, o natimorto partido criado por Marina. Basicamente, questões relacionadas à preocupação com o meio ambiente, simpáticas à opinião pública, mas cuja conciliação com o desenvolvimento econômico sem dúvida dá margem a questionamento e dúvidas.

Seja como for, tudo passa a girar em função do fator Marina. Com a diferença de que com ela muito mais para o papel principal do que como coadjuvante. Um cenário imprevisível e volátil em que até mesmo uma possível substituição à última hora de Dilma por Lula, caso as coisas piorem para ela, é cada vez mais comentada nas hostes petistas.

Ou seja, bola pro mato que o jogo é de campeonato.

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Ivan Berger é jornalista