Se Marlon Brando tivesse se recusado a receber um Oscar na última edição do prêmio – e não na de 1973, quando protestou contra o tratamento dado aos atores índios pelo cinema dos EUA –, uma coisa certamente aconteceria: seria um fenômeno viral. Mas naquele ano a internet ainda era um embrião e não existiam milhares de páginas virtuais para repetir a mensagem dele indefinidamente – que foi o que ocorreu na semana passada com as declarações de Javier Bardem e Penélope Cruz sobre a última ofensiva israelense em Gaza.
O casal assinou um manifesto contra “o genocídio que o Exército de ocupação israelense está perpetrando na Faixa de Gaza”. A polêmica irrompeu. Nos Estados Unidos, eles foram acusados de antissemitismo. O ator e pai de Angelina Jolie, Jon Voight, os chamou de ignorantes; e um programa da rede FOX qualificou Penélope Cruz de “a boba da semana”. O casal tentou contemporizar e explicou que somente queriam a paz e não sentem ódio por nenhuma das partes. Mas o desastre comunicativo já tinha acontecido. Não são os primeiros a fazer declarações à margem de sua profissão, provocando polêmicas apaixonadas. E não serão os últimos.
Enric Jové, diretor-geral da agência de comunicação McCann Worldgroup em Barcelona, sabe disso: “Qualquer declaração que seja divulgada, sobretudo nas redes sociais, tem uma audiência direta e indireta imensa”. Jové, que conta entre seus clientes com personalidades como Rafael Nadal, revela queo tenista tem 14 milhões de seguidores no Facebook. “Messi supera os 68“. Qualquer publicação explode como pólvora, “principalmente se for controversa”.
Santiago de Mollinedo, diretor-geral da consultoria de marketing Personality Media, sabe que as declarações do casal espanhol não são um dos casos nos quais a mancada pode ser solucionada “com um café, deixando que o ruído passe e esquecendo-o”. Para aplacar tsunamis informativos, falta algo mais. Tudo depende da declaração e da relevância da personagem.
Jové afirma que para casos de crise existe sempre um plano de contenção: “Se você cometeu um erro, peça perdão imediatamente. Se for uma opinião pessoal, esperamos para ver se a mídia a publica em mais de duas edições. Se isso acontecer, começa a ser necessário se explicar ou dar uma coletiva de imprensa”.
“Personalidade limpa”
Alguns, como o casal de atores espanhóis, acabam tentando amenizar a declaração e cumprindo o plano de Jové; especialmente se isso afeta suas carreiras. Foi o que aconteceu em 2003 ao grupo texano de música country Dixie Chicks com a guerra no Iraque. Em um show em Londres, a cantora Natalie Maines declarou-se contra o conflito: “Não queremos esta guerra, esta violência, e nos envergonha o fato de o presidente dos Estados Unidos ser do Texas”. Seu público nos shows caiu pela metade, as vendas de seu mais recente trabalho (Home) diminuíram, alguns fãs destruíram seus discos em público, houve até ameaças de morte. Pouco depois, o grupo pediu desculpas em um programa na rede ABC pela “maneira” como haviam falado, mas nunca negaram sua posição.
“Está claro que qualquer coisa que personalidades com certo peso midiático declarem à margem de sua profissão terá detratores e simpatizantes”, diz Jové, que está convencido de que o melhor conselho que pode ser dado a essas pessoas é “não vá o sapateiro além do sapato. Nós fazemos uma reflexão sobre temas polêmicos. E nossos clientes têm muito claro o que pensamos. Agora, com o conflito palestino-israelense, existem muitos pedidos para os nossos clientes se pronunciem. Mas nossa posição é que não compete a eles [falar sobre isso]”. Para o catalão, não faz sentido um ator falar sobre uma guerra ou um esportista opinar sobre política nacional. “Sua capacidade de vender ou alugar sua imagem às marcas sai prejudicada. Eles têm menos capacidade de endossar valores”.
Na Espanha, a lista de personalidades polêmicas não é curta nem pouco conhecida. Sobretudo no mundo do cinema e da música: Muguruza, Nacho Vegas, Albert Pla, Loquillo, Willy Toledo. Até mesmo Amaral. Ou Russian Red. Esta última declarou à revista Marie Claire que preferia a direita à esquerda, em termos políticos. A avalanche de comentários do mundo da música e nos veículos de imprensa relacionados não demorou a chegar. Nunca se retratou por suas palavras, mas disse ao EL PAÍS Semanal que o pior erro de sua vida tinha sido fazer essa declaração “pela ampla agressividade e pelo pouco respeito que recebi desde então”.
Mollinedo acredita que uma única declaração como essa não produz um dano excessivo à imagem, “deve ser a repetição de uma mensagem no tempo. Como Willy Toledo. Hoje, na Espanha, não conseguiria fazer nem uma campanha de publicidade”. Toledo, que agora vive em Cuba, é conhecido não só pelo seu trabalho, mas por sua militância política: declarações sobre prisioneiros do ETA, a defesa do Sahara ou o desprezo pela monarquia.
O diretor da Personality Media diferencia as personalidades nacionais das internacionais: “Nos Estados Unidos, isso é muito bem explorado, uma personalidade que toma partido de um lado ou de outro pode ser um negócio. Aqui, faz com que sua imagem se deteriore. Sair do seu papel (como esportista, cantor ou músico) é sempre prejudicial. Sobretudo com a publicidade, que busca uma personalidade o mais limpa possível”.
Em todo caso, sempre haverá nomes que sairão ilesos depois de expressar suas opiniões pessoais. Bruce Springsteen, depois de se posicionar a favor de Obama em 2008, foi alvo de uma tentativa de boicote por parte de fãs e políticos. E continua por aí. Continua sendo El Boss.
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Isabel Valdés Aragonés, do El País