A Associação Nacional de Jornais (ANJ) lançou ontem [segunda, 17/8] uma série de iniciativas para reposicionar o setor no país. O objetivo é fazer com que os jornais recuperem o espaço perdido na verba publicitária do país – de cerca de dez pontos percentuais nos últimos anos, para 10% do total.
Batizada de “Jornais em Movimento”, as medidas preveem uma integração mais profunda entre as empresas do setor para lidar com questões como a geração de dados mais precisos sobre o mercado e apresentar as publicações como canais multiplataforma, com atuação no mundo impresso e também no digital.
Jornal “não é só papel. É um relacionamento com a sociedade, uma marca”, disse Ana Amélia Cunha Pereira Filizola, diretora da unidade de jornais do Grupo Paranaense de Comunicação (GRPCOM). Ela participou ontem do 10º Congresso Brasileiro de Jornais (CBJ), que termina hoje em São Paulo.
O projeto de reposicionamento do setor levou cerca de um ano para ser concluído e foi elaborado com apoio da agência de publicidade LewLara/TBWA. Segundo Marcello Moraes, presidente da Infoglobo, os trabalhos do grupo foram balizados por um levantamento feito com agências de publicidade e anunciantes para detectar a percepção do mercado sobre o meio jornal. “A avaliação é que temos um alcance pequeno, a audiência está em queda e que somos só papel”, disse o executivo.
Para mudar essas avaliações, a ANJ investiu em treinamento de profissionais da área de vendas de algumas publicações – para que entendam o conceito de multiplataforma – e pretende promover o conceito junto a agências de publicidade. Hoje, as propostas serão apresentadas a publicitários.
Em outra frente, o objetivo é criar indicadores que representem melhor a abrangência dos jornais. Os números do setor, hoje, são baseados na tiragem diária das publicações, medida pelo Instituto Verificador da Circulação (IVC).
O IVC não leva em conta o acesso aos sites das publicações, nem o número de pessoas que de fato são impactadas pelo que é publicado. Pelo IVC, o mercado encolheu 1,9% em 2013, para 4,43 milhões de edições por mês. “Mas os acesso aos sites não param de crescer”, disse Moraes.
As novas métricas, porém, precisam ser criadas de forma cuidados. “O IVC tem credibilidade e facilidade de uso para o mercado publicitário. Não podemos perder isso”, observou Antônio Manuel Teixeira Mendes, diretor superintendente do Grupo Folha.
Patamar elevado
A ANJ também criou algumas ferramentas para ajudar os jornais nessa nova fase. A primeira é uma espécie de vitrine virtual de publicidade em jornais, um ‘marketplace’, no jargão usado por varejistas digitais.
A ideia é juntar, em um só local, dados sobre venda de anúncios nas diferentes empresas jornalísticas do país, facilitando o trabalho dos profissionais da área de publicidade. “É muito difícil comprar espaço em diferentes veículos no Brasil hoje. A ideia é melhorar esse processo”, disse Eduardo Smith, vice-presidente de jornais, rádios e digital do Grupo RBS. A expectativa é que o site seja lançado até o começo do ano que vem.
A ANJ criou uma rede virtual que vai juntar publicações interessadas em vender publicidade em seus sites de forma conjunta. Isso permite que anunciantes atinjam seus alvos de forma mais rápida e eficiente do que se tivessem que negociar individualmente com cada veículo. Mas ao contrário do que, em geral, fazem as “ad networks”, o objetivo da rede da ANJ não será vender os espaços mais baratos aos anunciante e, sim, os mais caros. A ideia é tirar proveito dos atributos de credibilidade e reconhecimento de marca dos jornais para conseguir vender melhor os espaços.
“Nos últimos anos perdemos receita por uma questão de posicionamento de preços. Agora vamos mudar isso”, disse Ana Amélia. O Digital Premium, como foi batizado, entrará em funcionamento na segunda quinzena de setembro com nove jornais. Segundo Ana Amélia, a rede está aberta a todos os 130 associados da ANJ e a outras publicações.
O lançamento da campanha “Jornais em Movimento” marca uma mudança de postura da ANJ. Criada há 35 anos, a associação atuava, até hoje, apenas em questões de defesa da liberdade de imprensa no país. Com a iniciativa atual, ela passa a olhar também para a sustentabilidade econômica do setor, disse Nelson Sirotsky, presidente do conselho de administração do grupo RBS.
Para Sirotsky, o novo posicionamento pode não levar o setor a voltar a seu patamar histórico mais elevado, mas certamente vai ajudar na recuperação de espaço nas verbas publicitárias. “Somos a segunda plataforma mais usada pelo brasileiro em algumas classes sociais. É natural que isso aconteça”, disse.
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“Nosso negócio são ideias”
A migração para as plataformas digitais tem feito com que empresas de mídia invistam cada vez mais em tecnologia para oferecer seus conteúdos. Esse processo, no entanto, não deve fazer com que essas companhias se transformem em empresas de tecnologia. “O produto é conteúdo. Não é porque está fazendo um investimento que vai mudar o que a companhia é”, disse Jean-Marie Dru, presidente do conselho da agência de publicidade TBWA.
Dru, que esteve ontem no 10º Congresso Brasileiro de Jornais, citou o exemplo das empresas de publicidade que estão passando pelo mesmo processo, contratando pessoal com conhecimento de programação para seus quadros, mas sem perder o foco em sua atividade principal. “Nosso negócio são ideias”, disse o executivo.
A TBWA, por meio de sua agência no Brasil, a Lew Lara, trabalhou com a ANJ para criar um programa que tem como objetivo reposicionar os jornais no Brasil. Na busca por novos modelos de negócios, que ajudem a lidar com os desafios do mundo digital, os jornais não devem, diz Dru, restringir a busca por ideias, olhando apenas para o setor de comunicação. É preciso buscar inspiração também em outras áreas.
“Quanto mais longe se olhar, melhor são as perspectivas de conseguir bons resultados”, disse Dru. Mesmo pequenas publicações podem se beneficiar. “Elas podem se mexer mais rápido. E velocidade é um item fundamental neste momento”, disse ele.
A TBWA, do grupo no Omnicom, está competindo com consultorias como a McKinsey no desenvolvimento de planos e estratégias de negócios para os clientes. Segundo Dru, as consultorias são boas para falar do presente, mas não têm imaginação suficiente para pensar no futuro. Essa atividade já gera receita, embora pequena, para a agência, disse Dru.
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Anúncio nativo existe e é preciso muito cuidado
A linha que divide o que é conteúdo e o que é publicidade na internet se tornou bastante tênue nos últimos anos com o avanço de conceitos como publicidade nativa e conteúdo patrocinado. A ideia é a mesma dos informes publicitários publicados em jornais e revistas: dar a uma mensagem publicitária a aparência de conteúdo feito pela publicação e assim, atrair a atenção do leitor.
“Algumas pessoas já desenvolveram uma espécie de cegueira seletiva para a publicidade na internet”, disse Ebele Wybenga, jornalista holandês, autor do livro “The Editorial Age”, sobre publicidade nativa. Wybenga participou ontem do 10º Congresso Brasileiro de Jornais. Segundo ele, nos Estados Unidos, essa modalidade de publicidade movimentou, em 2013, US$ 1,9 bilhão, um crescimento de 36% em relação a 2012. No Brasil, ainda são poucos os investimentos, mas o assunto já suscita discussões.
“Isso m assusta um pouco. Não sei se o mercado brasileiro tem o preparo para identificar a publicidade nativa na internet. Na mídia impressa isso é mais perceptível”, disse Sérgio Dávila, editor-executivo da “Folha de S. Paulo”. Para Sergio Gordilho, copresidente e diretor-geral de criação da agência África, a publicidade nativa é uma alternativa interessante para anunciantes conseguirem a atenção dos leitores, gerando receita para as publicações.
Gordilho destacou, no entanto, que esse tipo de anúncio precisa ser muito bem trabalhado para não comprometer a credibilidade. Para Dávila, é preciso ter separação entre as equipes que fazem os trabalhos de conteúdo nativo e as que tocam o dia a dia da cobertura.
Wybenga notou que é importante deixar claro para o leitor quando conteúdo nativo está sendo exibido. Para ele, empresas nascidas no mundo digital como as americanas Vice, Quartz e BuzzFeed têm feito bem esse trabalho. Ele também citou casos como o dos Vigilantes do Peso e da marca italiana Benetton, que têm publicações próprias vendidas em banca.
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Gustavo Brigatto, do Valor Econômico