Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O ‘jornalismo de experiência’ e as tragédias

Um conceito criado pela comunicação e muito utilizado pelas empresas para divulgar suas marcas se chama “marketing de experiência”. Ele se resume em planejar e executar ações que permitam a interação entre o consumidor e a empresa, gerando empatia e uma memória no subconsciente associada àquela marca ou produto. Essa mesma lógica parece ter sido adotada pelo jornalismo televisivo. Talvez não intencionalmente, mas, de fato, algumas coberturas jornalísticas parecem querer colocar o telespectador dentro da notícia, não com o intuito de informar, mas com a intenção de provocar sensações e explorar determinado acontecimento até seu esgotamento.

Um exemplo recente de “jornalismo de experiência” pôde ser conferido no programa Fantástico, da Rede Globo (domingo, 17/8). Na reportagem sobre o acidente de avião que matou o candidato à presidência Eduardo Campos, um trecho do trajeto que a aeronave fazia no dia da queda foi refeito, um jato do mesmo modelo foi mostrado por dentro e um piloto falou o que poderia ter acontecido e quais os comandos que deveriam ter sido acionados para um pouso correto. A matéria não trouxe nenhuma informação relevante. A falta de conteúdo novo foi evidenciada pela chamada da reportagem no site do programa: “Fantástico entra em jato igual ao que caiu em Santos e matou Campos”. E eu com isso?

Esse tipo de cobertura é bastante comum quando o tema é tragédia. O mesmo tipo de abordagem foi adotado no caso da boate Kiss, em que um incêndio matou muitas pessoas em janeiro de 2013. Nesse caso, o programa recriou o ambiente em tamanho real e sobreviventes relataram a situação vivida no local. A matéria também teve como fonte um engenheiro especialista em gerenciamento de risco que deu orientações sobre como se deve agir em casos parecidos. A diferença entre essa cobertura e a da morte de Eduardo Campos é que esta teve a intenção clara de informar o telespectador sobre quais as melhores ações a serem tomadas numa situação semelhante. Não se pode negar que quem viu a reportagem se sentiu dentro da boate, reconstruída pelo programa. Mas nesta ocasião prevaleceu o bom senso e muitas informações relevantes foram transmitidas. Não é à toa que em razão daquela cobertura o Fantástico foi indicado ao Emmy 2014.

Sentido e relevância

Portanto, o “jornalismo de experiência” pode ser útil e uma forma didática de informar o público. Inserir o telespectador dentro de um fato utilizando quaisquer artifícios pode ser uma estratégia válida desde que contribua para dar sentido ou esclarecer fatos. Isso aconteceu no caso da boate Kiss, mas não no da morte de Campos.

Talvez explorar um fato sem trazer informação relevante seja o destino dos programas e veículos semanais. Cada novo dado de um evento importante é divulgado em tempo real na internet e várias vezes por dia no rádio e na TV. Dias depois do ocorrido, não resta muito para ser repercutido pelos programas e publicações impressos veiculados apenas uma vez por semana. De qualquer modo, é preciso encontrar sentido e relevância. O grande desafio da imprensa não é achar esses atributos na notícia do momento, mas sim, no fazer jornalístico.

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Hugo Xavier é jornalista