O Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa de 2014, concedido pela Associação Brasileira de Jornais, foi entregue nesta terça-feira à colombiana Catalina Botero, titular da Relatoria Especial de Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos.
Na CIDH, Catalina é responsável, desde 2008, por monitorar o cumprimento dos dispositivos relacionados à liberdade de expressão da Convenção Americana de Direitos Humanos.
A entrega do prêmio, no 10.º Congresso Brasileiro de Jornais, foi feita por Francisco Mesquita Neto, diretor-presidente do Grupo Estado, vice-presidente da ANJ e responsável pelo Comitê de Liberdade de Imprensa da entidade. Ele manifestou apoio a Catalina e à Relatoria “diante das hostilidades que ambas têm sofrido por parte de alguns governos latino-americanos, como os da Venezuela, do Equador e da Bolívia”.
Solidariedade
Ao discursar, Catalina agradeceu pelo apoio que o Brasil deu a seu trabalho, o que, segundo ela, ajudou a garantir a sobrevivência do órgão que comanda.
Em 2013, a Relatoria sofreu pressões de governos de inspiração “bolivariana”, que pretendiam impedir que o órgão tivesse acesso a recursos de doadores internacionais – sua principal fonte de financiamento.
Catalina disse ter sido “duramente atacada” nos últimos anos. “Se não fosse pelo apoio decidido da imprensa brasileira, não estou segura de que (a Relatoria) teria sobrevivido.”
A advogada se indispôs com alguns governos da região, especialmente o do Equador, ao criticar atos lesivos à liberdade de imprensa, como o uso de leis sobre calúnia e difamação como arma contra o jornalismo crítico.
Em 2010, Catalina criticou a imposição de censura ao Estado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. O jornal foi proibido de publicar fatos relativos à Operação Boi Barrica, da Polícia Federal. A proibição ocorreu a pedido do empresário Fernando Sarney, filho do senador José Sarney (PMDB-AP).
A colombiana, que está nas últimas semanas de seu mandato, demonstrou otimismo em relação ao futuro do órgão. “Deixo uma Relatoria que sai fortalecida após tantas batalhas, e que, com certeza, poderá aumentar seu impacto em toda a região, em particular nos lugares onde o crime organizado ou o espírito autoritário tentam calar a imprensa livre ou impedir o acesso dos cidadãos às informações, e das minorias ou dos opositores à esfera da opinião pública.”
O sucessor de Catalina será o advogado e jornalista uruguaio Edison Lanza, que assumirá o cargo em outubro.
A seguir, trechos do discurso de Catalina Botero ao receber o prêmio.
“Hoje em dia, há muitas formas de se fazer jornalismo. A televisão e o rádio são extraordinariamente importantes, e as redes sociais e o jornalismo cidadão, em muitos lugares ou momentos, são as únicas formas de jornalismo possíveis quando a imprensa foi capturada ou silenciada pelo poder. Mas existe algo que caracteriza a imprensa escrita, algo que vai além do prazer de abrir o jornal e mergulhar nele a cada manhã.
Os jornais, diferentemente de outros meios de comunicação, podem inquirir e contar histórias que requerem uma árdua investigação, submetida a rigorosos princípios e cuja publicação não está limitada ao brevíssimo espaço de outros formatos. Essas histórias, por seu rigor e sua densidade, não costumam ser soterradas pela quantidade imensa e às vezes caótica de informações que circula na internet. Nesse sentido, para dizer o mesmo de modo mais claro, em um mundo de grandes transformações nos processos comunicativos e de uma vertiginosa circulação de informações, a primeira página continua sendo ‘a primeira página’.
Essa primeira página que está aí, escrita, que não é atualizada a cada três minutos nem é consumida no breve período de uma manchete de meios audiovisuais. Essa primeira página que está na mesa da sala de jantar, na hora do café da manhã, na banca da esquina, no ônibus, na casa dos amigos ou nos escritórios oficiais. Em um mundo de velocidades nunca antes vistas, a primeira página teima em continuar aí. Escrita. Indelével.
E poucas coisas podem ter o mesmo impacto que ela tem sobre os funcionários públicos corruptos, sobre os políticos que se ligam ao crime, que abusam do seu poder, que traem os valores e os princípios democráticos.”
(…)
“Qualquer pessoa que queira chegar à seção de esportes ou moda de um jornal deve passar, ainda que de modo rápido e superficial, por manchetes de economia, cultura, guerra e paz; deve passar pelas opiniões políticas similares ou divergentes das suas. Isso não acontece em outros meios, nos quais a informação pode ser severamente filtrada, segmentada, direcionada e selecionada. Por isso, não posso concordar com quem acredita que a imprensa escrita pode ser substituída por mensagens de 140 caracteres.
As redes sociais e o jornalismo cidadão têm contribuído de forma singular ao processo comunicativo, e têm inclusive propiciado novas formas de participação, de construção da esfera pública, de mobilização cidadã. Mas mesmo essas novas maneiras de exercer a cidadania e de ampliar a democracia requerem, em minha opinião, o trabalho lento, rigoroso e complexo do jornalismo profissional dos jornais. Em uma democracia, temos a necessidade do jornalismo profissional.
Nesse sentido, devo confessar que existe uma razão muito mais íntima, muito mais pessoal, para defender a imprensa livre dos ataques vociferantes de funcionários públicos autoritários ou corruptos, de mercados vorazes, de fanáticos violentos.
Peço desculpas por essa confissão. A verdade mais íntima é que não suporto o autoritarismo e admiro até o fim as pessoas livres, o jornalismo independente, o pensamento crítico.”