Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Velho por fora, doente por dentro

O Brasil é um país relativamente novo, mas tem cara de velho. A Constituição está puída, os contratos sociais que regem a sociedade, caindo pelas tabelas, as lideranças políticas ostentam cabelos grisalhos e/ou caras plastificadas por botox, os grandes ídolos populares bordejam a casa dos setenta, e não menos longevos são os luminares da imprensa.

Escritores? Os mais respeitados e internacionalmente conhecidos continuam sendo os que já bateram as botas ou estão em vias de. Nem o futebol escapa da Síndrome da Progeria – a enfermidade do envelhecimento precoce –, com a provecta cúpula da CBF que não larga o osso, uma elite de treinadores que está na estrada há décadas e raros talentos regurgitados pelos centros maiores para aqui desfrutarem de proveitosa semi-aposentadoria – afinal, em terra de cego…

Mas pior do que a virtual seca de talentos, de gênios da raça, enfim, de machos alpha que guiem e inspirem a sociedade – até o empresariado está carecendo de espírito animal, ou seja, de cojones, aproveitam para espinafrar técnicos do Banco Central, sem mais como justificar a estagnação da economia – é o estado de prostração e sinecura mental que assola o país. Estiagem que, consequentemente, não traz bons fluidos às eleições que definem os rumos do país no próximo quadriênio, conforme atesta o próprio crescente movimento nas redes sociais em prol do voto nulo, por conta da compreensível desilusão com a classe política.

É recorrente a sensação de déjà vu que se sobrepõe numa realidade que não muda nem por decreto. Quando muito, mudam as moscas, que como se sabe, gostam e proliferam no contexto insalubre da realpolitik – a lógica na razão cínica, professada por pensadores como Nietzsche e Maquiavel. Ramo de atividade, de qualquer forma, tão rentável e gratificante que quem entra não quer mais sair. Basta ver que político de pedigree só se aposenta quando tem filhos ou apadrinhados na fita, mesmo que seja para servir de simples laranja ou fazer figura, à moda do doidivanas imperador Nero, que nomeou seu cavalo Incitatus como cônsul de Roma.

Faz parte, como se diz. Como faz parte do métier o nepotismo oficioso, o aparelhamento da máquina administrativa – por sinal triplicado sob a égide petista –, atividades extracurriculares que juntamente com as regalias usufruídas por notórias dinastias oriundas dos chamados currais eleitorais, garantem a festa no promíscuo lupanar político. Em suma, enredo à altura do divino Marquês.

Envelhecidos em barris de carvalho

Não é à toa que o país trescala a bolor e podridão. Ou a enxofre, como na plúmbea atmosfera de Brasília. Odor emanado da obsolescência dos poderes constituídos e no desvirtuamento do papel da imprensa, adrede cooptada e engajada em causas que têm transformado o jornalismo nativo em moeda de troca, em reles balcão de negócios. Elogios e panos quentes daqui, publicidade oficial dali e estamos conversados. O que não é coisa pouca, considerando que estatais, como o Banco do Brasil, Caixa e a Petrobras, estão entre os que mais gastam em propaganda.

Pena que o que faz a alegria dessa turma está longe de trazer benefícios à população, muito pelo contrário. Noves fora a propaganda enganosa, o escambo retruso e implícito é a garantia formal da perpetuação dos entraves historicamente entranhados na vida pública, como o fisiologismo que impregna o meio político-governamental, o engessamento do sistema judiciário, refém de um Código Penal ultrapassado e deformado, e o corporativismo latente que obstrui as reformas e mecanismos efetivamente capazes de alavancar o desenvolvimento do país.

O velho e onipresente corporativismo, que tem na classe política um aliado de todas as horas, na forma dos famigerados lobbies que pautam as decisões e manipulam as verbas governamentais. Laissez-faire institucionalizado contra o qual não há governo que não se submeta, sob pena de… não governar. Ou até de ser apeado do poder, como ocorreu com o ex-presidente Fernando Collor de Melo, destituído oficialmente por corrupção, mas no fundo apenas e tão somente por excesso de soberba, por não ter feito as devidas alianças para obter o necessário salvo conduto político. Ou alguém duvida que, perto do propinoduto do chamado Mensalão, o famoso caixa dois de PC Farias é dinheiro de gorjeta?

Envelhecidos em barris de carvalho, por assim dizer, tais anacronismos se auto-renovam através dos anos, indiferentemente a dança das cadeiras na área governamental e a cacofonia midiática incrementada pela chegada do PT ao poder. Maturação que ao contrário dos melhores vinhos, só tem trazido amargor e desencanto pela recorrência das mazelas e falta de perspectivas de melhora, como se denota na própria mesmice do quadro eleitoral que se desenha, com a notória inclinação popular a gastar vela com mau defunto. Ou seja, a votar em quem não presta, em quem já foi pego com a chamada mão na massa, mas que nem a execração pública impede de voltar à cena, a revelia da própria lei especificamente criada para depurar a coisa.

Conjuntura viciada

Lei que nem precisaria existir, houvesse mais conscientização e vergonha na cara de eleitores que rifam o voto ou caem na lábia de candidatos subvencionados, cujos milionários gastos de campanha parecem confirmar as denúncias sobre esquemas de eleições compradas. Como ilustrado em recente reportagem apresentada no Fantástico, baseada em relatos publicados no livro O Nobre Deputado, do juiz de Direito Marlon Reis, do Maranhão, por sinal um dos mentores da lei da Ficha Limpa, em que o fictício deputado Candido Peçanha dá detalhes de “como nasce, cresce e se perpetua um corrupto na política brasileira”, conforme o prefácio da polêmica obra.

Recheado de depoimentos compilados a partir de entrevistas com um deputado federal mantido sob anonimato e assessores envolvidos diretamente na coleta de recursos e compra de votos, cujo custo seria de 50 reais per capita, o livro do juiz Marlon e tema da referida reportagem corrobora a impressão generalizada sobre a promiscuidade que impera no meio político. Coisa fácil de depreender pelo próprio volume de dinheiro gasto nas campanhas, que nas eleições de 2012 passaram da casa de 4 bilhões de reais, provenientes de doações que, segundo o livro-bomba do juiz Marlon, são devolvidas na proporção de 20 para 1 ao longo do mandato bancado.

No velho Brasil, ou Brasil com cara de velho, mudar essa conjuntura viciada e corrupta é uma das promessas recorrentes de campanha, e depois, como sói acontecer, deixadas solenemente de lado. Afinal, a decantada reforma política – aquela que ninguém sabe e ninguém viu – viria acabar com uma estrutura de poder e barganha que transcende governos e é mantenedora das regalias usufruídas pelas próprias classes dominantes.

Mamata oriunda do próprio esdrúxulo pluripartidarismo que só se presta a cabide de emprego, além de complicar ainda mais o que já é complicado, dentro do famigerado expediente de criar dificuldades para vender facilidades. Ou seja, mesmo quando há boas intenções e seriedade de propósitos, nada se consegue sem negociar ou fazer concessões a uma insignificante arraia miúda que só tumultua e atrapalha, vide as barganhas impostas para a aprovação da candidatura de Marina Silva.

Herdeiro repaginado

Nesse Brasil desfigurado por fora e doente por dentro, carente de dignitários idôneos e reservas morais insuspeitas, confiar que alguma coisa de bom possa advir de eleições sabidamente de carta marcadas, só mesmo por conta da velha e teimosa boa fé do brasileiro. Que ainda crê que a esperança é a última que morre. Mesmo a inesperada entrada de Marina na corrida à presidência, que até a tragédia que vitimou Eduardo Campos se resumia à já antiga disputa entre petistas e tucanos, está longe de empolgar. De aparência frágil, o que é de só menos, mas de discurso ambíguo, para não dizer simplório e utópico, o que é preocupante, seu nome, surgido meio que de paraquedas, a princípio só anima pela real possibilidade de quebrar a polarização que domina o quadro político nativo há duas décadas.

Pode parecer pouco, mas diante do evidente desgaste dos dois partidos hegemônicos, como apontam as pesquisas, nada mais natural que o crescimento de uma terceira via fortalecida pela tragédia que tirou Eduardo Campos de cena, sendo ou não sendo Marina Silva a alternativa dos sonhos. Seja como for, se no último pleito dizia-se que o simples apoio do ex-presidente Lula, no auge de seu prestígio, conseguia eleger até um poste, quatro anos depois, o que mais conta pontos a favor da presidente são os mesmos trunfos da eleição passada. Ou seja, um programa de governo populista e demagogicamente devotado à causa dos pobres e descamisados.

Sem falar que o perfil do oponente inegavelmente mais qualificado, Aécio Neves, não corresponde ao anseio geral por uma política renovada e desvinculada das oligarquias que concentram a riqueza do país. Ao contrário, como representante do partido conservador e elitista por excelência, o PSDB, com bases fincadas nos estados do Sudoeste, o repaginado herdeiro de Tancredo Neves, embora menos recauchutado e artificial que a por ora favorita à reeleição, não poderia mesmo ser bem-visto por um eleitorado pouco disposto a trocar o certo pelo duvidoso.

Certeza, no caso, da continuidade de programas assistencialistas como o Bolsa Família, e que não obstante o DNA da gestão tucana de Fernando Henrique Cardoso, foram encampados e explorados politicamente como de lavra do governo petista. Os quais, juntamente com os inegáveis avanços no campo de ampliação do mercado de trabalho e melhora nos índices de pobreza, não só dão sustentação a liderança de Dilma nas pesquisas intenções de voto, como têm se mostrado virtualmente inexpugnáveis à pregação antipetista da grande imprensa.

Luz no fim do túnel

Um ativismo ainda mais acirrado com a entrada firma e forte de Marina na disputa, como sempre a cargo de uma manjada guarda pretoriana que destila veneno por todos os poros. Agora, com um trabalho ainda mais insano pela frente: impedir que o queridinho das elites seja precocemente eliminado da disputa. Perspectiva que ganhou ainda mais corpo após a vantagem conseguida por Dilma Rousseff nas entrevistas do Jornal Nacional, graças ao verdadeiro nó tático aplicado na dupla de apresentadores, William Bonner e Patrícia Poeta, ao contornar as questões mais delicadas com o habitual contorcionismo verbal. Ao contrário do que aconteceu na entrevista de Aécio Neves, que passou quase o tempo acuado e visivelmente desconfortável com a surpreendente contundência da sabatina.

Surpresa agradável, pra variar, dada a linha editorial tradicionalmente reticente e frugal que norteia o mais importante e influente noticiário do país. A adoção de uma postura mais objetiva e incisiva nas entrevistas com os candidatos a presidência, valorizada pelo tratamento equidistante – o deslize talvez tenha sido a inquirição de Dilma na sede do governo –, não deixa de ser uma espécie de luz no fim do túnel de nosso vilipendiado jornalismo.

Resta esperar que não seja a luz do trem, ou seja, um mero e passageiro espasmo de isenção e integridade, virtudes fundamentais e indispensáveis para que a imprensa possa ser levada a sério. O que depois da funambulesca cobertura da Copa do Mundo, bem que a Globo está precisando.

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Ivan Berger é jornalista