Não é exagero algum asseverar que, sob o ponto de vista geopolítico, o presente século começou no dia 11 de setembro de 2001, quando aviões sequestrados por terroristas muçulmanos se chocaram com as torres gêmeas do Word Trade Center (WTC), em Nova York. Passados treze anos, o “maior atentado terrorista da história” ainda enseja acirrados debates e suas consequências são sentidas em grande parte do planeta. De acordo com a versão oficial, os ataques foram promovidos pela rede al Qaida, então liderada pelo milionário saudita Osama bin Laden, em represália a constante presença ianque nos países islâmicos. Por outro lado, segundo os adeptos da “teoria da conspiração”, o atentado foi forjado pelo governo de Washington para que os estadunidenses pudessem intervir militarmente em algumas nações do mundo muçulmano e, assim, ter acesso privilegiado aos seus recursos naturais.
Controvérsias à parte, é fato que a mídia teve uma importância fundamental para o 11 de setembro. Para Bin Laden, a exibição maciça das imagens do WTC chamou a atenção mundial para sua causa e também demonstrou a vulnerabilidade da maior potência do planeta. Já a Casa Branca aproveitou-se do pânico gerado pelo ocorrido para propagar a retórica da “guerra ao terror”. Sendo assim, não foi por acaso que grande parte da opinião pública apoiou as invasões do governo Bush ao Afeganistão e ao Iraque. Logo após as ações promovidas pela al Qaida, teve início uma intensa campanha midiática com o objetivo de demonizar o mundo muçulmano. Imagens dos aviões se chocando com as torres gêmeas do WTC e de muçulmanos supostamente celebrando essas ações foram exaustivamente repetidas em todo o planeta.
Não obstante a propaganda ideológica contra a civilização muçulmana promovida pela grande mídia estadunidense, a imprensa brasileira, subserviente aos interesses da grande potência mundial, ao invés de analisar criticamente o quadro geopolítico que condicionou as ações da rede al Qaida contra os Estados Unidos, preferiu aderir ao discurso padronizados de Washington. De acordo com a publicitária Tatiana Alvim, a cobertura do 11 de setembro apresentou uma espécie de “efeito cascata”, em que a imprensa estadunidense divulgava os seus relatos dos fatos, a mídia brasileira reproduzia o discurso ianque e os jornais regionais (até então alheios a assuntos externos) resumiam as matérias dos grandes veículos da imprensa nacional, fechando o ciclo. Desse modo, as causas do atentado não foram reveladas ou tidas como inexistentes e as mesmas expressões (ou similares) adotadas na mídia dos Estados Unidos foram replicadas como verdades unânimes pelos principais jornais e redes de televisão brasileiras.
Reportagens transformadas em editoriais
Nos anos subsequentes aos ataques, apesar de o assunto ter perdido espaço nos principais noticiários, as matérias produzidas pela mídia hegemônica sobre o mundo muçulmano continuaram marcadas pela exaustiva estigmatização dos seguidores da religião fundada por Maomé. Não obstante, tragédias ocorridas nos mais variados lugares do planeta – como o “Massacre de Realengo” ou os assassinatos de membros da juventude do Partido Trabalhista Norueguês – foram atribuídas (sem nenhum tipo de comprovação ou exame preliminar) a terroristas islâmicos.
A revista Veja, por exemplo, utiliza sistematicamente termos pejorativos para se referir aos povos islâmicos e não se lança ao trabalho de distinguir com clareza um muçulmano civil de um terrorista, considerando todo islamita como um terrorista em potencial. De maneira geral, as expressões utilizadas nas páginas da publicação da família Civita para se referir aos muçulmanos são: “barbudos”, “fanáticos islâmicos ensandecidos”, “sociedades dos turbantes”, “fascismo islâmico”, “universo de turbantes” e “loucos de Alá”. Para alguns articulistas da grande mídia, como Arnaldo Jabor e Reinaldo Azevedo, os ataques de grupos islâmicos contra os Estados Unidos, independentemente de serem reações radicais a constante presença estadunidense no Oriente Médio, são causados por “bárbaros” e “atrasados” muçulmanos que não aceitam os modernos valores ocidentais.
Sendo assim, não é preciso um extenso exercício hermenêutico para constatar a tendência pró-imperialista da grande mídia brasileira. Evidentemente que não há discurso que seja completamente neutro. Contudo, lembrando um clássico pensamento de Alberto Dines, a imprensa de nosso país transforma meras reportagens em verdadeiros editoriais. Coberturas jornalísticas que deveriam se limitar apenas à transmissão de informações ou a relatos dos fatos tornam-se, sob o prisma midiático, mecanismos para escoar uma determinada agenda política.
Grande imprensa não é imparcial
Por outro lado, não tenho o intuito de legitimar ou tampouco defender o atentado de 11 de setembro. Promover a matança indiscriminada de milhares de pessoas inocentes não é, em hipótese alguma, a maneira correta de se atingir um objetivo político ou de angariar indivíduos para uma determinada causa. Não há como justificar, sob os pontos de vista ético e humanitário, uma tragédia de tamanha dimensão. Porém, é importante salientar que os fatos que condicionaram os ataques terroristas, como o apoio incondicional da Casa Branca a Israel no conflito árabe-judeu na região da Palestina ou a completa sujeição da monarquia saudita aos ditames de Washington, raramente são mencionados na grande mídia.
Consequentemente, boa parte dos telespectadores e leitores pode chegar à equivocada conclusão de que os ataques promovidos pela rede al Qaida são comprovações de que a religião islâmica prega abertamente a intolerância e a violência ou, como sugeriu Thomas Friedman, famoso colunista do New York Times, podem ter sido motivados simplesmente pela inveja que os muçulmanos sentem em relação aos êxitos do Ocidente, principalmente dos Estados Unidos. Portanto, para a grande mídia, o atentado de 11 de setembro não teve causas, mas somente consequências. Em suma, podemos afirmar que a grande imprensa capitalista não é imparcial, como muitos apregoam. Ela serve aos interesses daqueles que a financiam; das empresas que anunciam produtos em suas páginas e aos governos que garantem seu público.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG