Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

O clamor pela mídia democrática

“As classes dominadas, portanto, tenderão a lutar pela transformação dos órgãos privados e estatais em órgãos públicos, sob formas e mecanismos que evidentemente ainda estão por serem engendrados e desenvolvidos. E finalmente, então, o jornalismo poderá se libertar do seu pior inimigo: a Imprensa, tal como ela existe hoje.”

Este trecho foi retirado do texto que trata os padrões de manipulação da imprensa do jornalista Perseu Abramo e foi escrito em 1988. Já naquela época, era ainda livre da cibercultura, o comentário era de que o jornalismo iria exigir uma mudança, que as pessoas clamariam pela democracia nos meios de comunicação e por uma informação livre de interesses econômicos ou partidários.

Muita coisa aconteceu na comunicação depois do texto de Abramo. A internet chegou aos lares brasileiros, o acesso à informação foi se tornando cada vez maior e, principalmente, a participação e a influência nos meios foi sendo um fator cada vez mais relevante. Se antes o leitor do tradicional jornal impresso tinha o restrito espaço de cartas ou os bares da esquina para comentar as notícias, hoje ele tem um espaço cibernético, que é muito maior e de alcance ilimitado.

Não são mais só os amigos do bar que vão ouvir os comentários de que a mídia não é um meio imparcial e que está tendendo a um lado partidário. Desta vez, serão pessoas de fora do Brasil, autoridades e os próprios envolvidos no processo de fazer a notícia. A diferença que tal fator traz é enorme. Tão grande que um leitor insatisfeito é capaz de ver que não está sozinho e clamar por uma cobertura mais democrática. Como Abramo previu, foi exatamente isto que aconteceu.

Mudanças no mercado

O momento das manifestações de junho foi o ideal para observar o caminhar de novos rumos da comunicação. As pessoas sabiam que os manifestantes estavam protestando contra os baixos investimentos em setores básicos do país, uma crescente corrupção e, em sua maioria, concordavam com tais protestos. Mas o que se via nos veículos tradicionais era algo bem diferente do que se esperava. A mídia inicialmente ficou do lado das autoridades e resolveu tratar dos abusos da polícia durante as manifestações como certos e instaladores da ordem – e o povo se revoltou. Não era exatamente aquilo que se queria assistir. A população queria poder ver e ler o relato de cada um que estava participando daquela manifestação e entender o porquê ela havia chegado a mais de um milhão de pessoas nas ruas das capitais paulista, fluminense e mineira.

Nesse momento surgiram, tímidos, os coletivos jornalísticos. Enquanto a transmissão tradicional da mídia não agradava, as pessoas podiam entrar em suas redes sociais e deparar com vídeos quase caseiros, mas com a qualidade de mostrar o que até então não se retratava: o lado dos manifestantes. Grupos como o Mídia Ninja começaram a ganhar fama. Os internautas e jovens ativistas sabiam que, pelo menos até o momento, os coletivos mostravam uma cobertura isenta e sem qualquer interesse comercial com um grupo específico.

A profecia de Abramo de que no futuro as pessoas clamariam por uma comunicação democrática foi ganhando tons de realidade. Após o episódio da cobertura dos coletivos nas manifestações, a mídia tradicional tomou um tom diferente, viu e ainda vê que precisa estar mais isenta e agir com menos interesses. O sucesso não se restringiu só à época das manifestações; outros coletivos surgiram após o episódio e fizeram sucesso. O grupo “A ponte”, do ex-jornalista da Folha de S.Paulo André Caramante e de seus colegas de profissão, surgiu com o intuito de mostrar o abuso dos direitos humanos praticados, principalmente pelas autoridades, e vem funcionando. Um outro modelo de sucesso, como a Agência Pública de jornalismo investigativo, também surge com a proposta ambiciosa de fazer matérias investigativas sem fins lucrativos mas com uma qualidade elevada.

Se os coletivos jornalísticos vão ser o futuro da mídia democrática, ainda não sabemos, mas o que se tem a certeza, por enquanto, é de que a população não está feliz com o modelo tradicional da imprensa, e clama por mudanças no mercado da comunicação. E essa mudança estaria ligada a visões democráticas, pluralidade de vozes, o respeito ao leitor e uma qualidade cada vez maior do material publicado. Elementos que a imprensa precisa ainda desenvolver cada vez mais.

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Aline Imercio é estudante de Jornalismo