Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Uma estranha convivência

No Brasil, nós,jornalistas,somos uma classe marcada por perfis arrogantes (este diagnóstico não é apenas meu[“‘Arrogância dos jornalistas trava crescimento’, diz acadêmica sobre setor da comunicação“]e claro que aqui conta o caldo de cultura autoritária que ainda perpassa as relações no país) e incapazes de nos articularmos enquanto trabalhadores, já que cada um tende a se considerar um espécie de semideus autossuficiente na concorrência.

Além disso, em nome do salário e do cada dia mais apagado status que da profissão se extrai, estamos perdendo o compromisso ético com o sentido do ofício enquanto serviço de suma importância para a sociedade. Claro que,como tantas outras profissões, não temos essa exclusividade, mas isto não atenua o problema.

Muitos de nós nosdamospor satisfeitos com a simples manutenção num emprego em empresa de “respeito” na área. Para nosso infortúnio ainda maior, empresas em número muito reduzido. Nesta fauna pobre, as empresas,na verdade,é que “mandam”, como qualquer jornalista sabe. Porque a tal liberdade de imprensa é, no fim das contas, a liberdade que determinados grupos têm de propagar o que querem, em outras palavras defender seus interesses e ideologias.

Esse princípio da realidade, no entanto, não está necessariamente de acordo com o exercício do jornalismo responsável e ético que reclama que as manifestações de certas opiniões e a divulgação dos fatos cumpram com certos ritos de apuração e contraditório e, ademais, não firam, por exemplo, o que está expresso no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.

Credibilidade arranhada

A título de ilustração vale lembrar dois artigos curtos. Diz o Art. 9°: “A presunção de inocência é um dos fundamentos da atividade jornalística.” Já o Art. 10 parece complementar: “A opinião manifestada em meios de informação deve ser exercida com responsabilidade.” A agora já anedótica reportagem do G1: “Estagiário de advogado diz que ativista afirmou que homem que acendeu rojão era ligado ao deputado estadual Marcelo Freixo” é um contundente caso onde não houve jornalismo responsável. Porque não se faz um relato confiável desta forma e a associação sugerida implicava um juízo de valor moral com repercussões.

Tudo isto é sabido para quem não quer se enganar com a pura e simples retórica da liberdade de expressão. Mas houve algo para mitigar essa conduta? Assim como tantos engenheiros, médicos e políticos,que são responsáveis por graves falhas que noticiamos e nunca são punidos, também preferimos nos acomodar num corporativismo enfermo. Prefere-se deixar incólume os erros e os “errados”e não reparar o maujornalismo, o que muitas vezes é feito usando o escudo de uma abstrata e cínica defesa da “liberdade de imprensa ou de expressão”.

Este discurso, inclusive, tem algo de “fora do lugar”, de desconexo. Ele nunca se desenvolve no sentido de vencer a realidade do baixo nível de solidariedade entre os jornalistas no país quando o assunto é a má remuneração nas redações e a ausência de um marco legislativo que proteja os profissionais minimamente numa sociedade competitiva. Neste sentido foi incapaz de exercer uma crítica contundente a completa desregulação patrocinada pelo Supremo Tribunal Federal quando a corte decidiu pelo fim da necessidade do diploma e sequer previu algum tipo de formação, nem mesmo em ética, para a prática jornalística.

Querer atenuar, minimizar ou postergar esta discussão, quando não negar isso, tomando como argumento uma perspectiva da realpolitik, é a forma de se manter reproduzindo a mesma lógica vigente e o auto engano vicioso que nos arrasta numa crise.

Particularmente creio que uma coisa já está clara: o jornalismo brasileiro já deu provas de que sua credibilidade anda mais que arranhada. Está a padecer daquilo que no fundo mais importa a qualquer instituição: credibilidade. Penso ainda que o problema é acentuado pela ausência da diversidade de pontos de vista políticos e culturais, por conta da já citada concentração dos meios. Neste sentido é mais que salutar o debate da regulação econômica posto outra vez na ordem do dia pela presidente e candidata a reeleição Dilma Rousseff.

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Júlio de Souza Reis Júnior é jornalista