Campanha negativa, do contra, o lado B. Entre tantos eventos que marcam a eleição presidencial de 2014, os métodos de desconstrução do adversário são os mais eficientes até agora. Podem eleger o próximo presidente, seja quem for. Em vez de engajamento com a política e de criar afinidade entre cidadão e governante, a anticampanha afasta-os. E reforça a sensação típica do segundo turno: eleger não o melhor, mas o menos pior.
Na mais apertada das eleições presidenciais – da curta história da democracia brasileira – já houve tragédias, reviravoltas, traições. Ondas de opinião surgiram como maremotos e quebraram como marolas. Mas nada teve impacto mais definitivo do que as antigas e novas maneiras de fazer o rival parecer despreparado, frágil, desonesto ou simplesmente ridículo.
Os ringues em que se transformaram os debates do segundo turno entre Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) são apenas a parte mais visível da troca de insultos. Ingenuidade achar que a anticampanha acaba nos sopapos verbais na TV. Isso é só o começo, é munição para a artilharia que vem na sequência.
Uma das febres nos comitês subterrâneos de 2014 é o uso eleitoral do WhatsApp. O aplicativo de mensagens em tempo real funciona em qualquer smartphone e poupa o usuário de pagar por mensagens SMS. Transita seu conteúdo pela internet. É também uma rede social popular, onde grupos de usuários transmitem e recebem mensagens entre si. De tanto sucesso, o Facebook pagou US$ 16 bilhões por ele.
Por essa característica híbrida, meio de telefone meio de computador, o WhatsApp caiu em um buraco negro regulatório no Brasil e acabou escapando à vigilância da Justiça eleitoral. É território livre de regras e proibições, um velho oeste onde hackers e candidatos fazem seu bangue-bangue.
Exercício do diálogo
Uma gafe do adversário em um debate televisivo vira imediatamente um vídeo curto e, de preferência, engraçado. Antes de acabar a transmissão na TV, já está nos celulares de centenas de milhares de eleitores, ou apenas nos de um segmento específico do eleitorado, conforme a estratégia da campanha.
Candidato ao governo de Minas Gerais pelo PSDB, Pimenta da Veiga disse em um debate que construiria hospitais em três municípios do norte do Estado, mas ao nomeá-los, citou dois que ficam em outras regiões. Em pouco tempo os eleitores de Teófilo Otoni e Governador Valadares foram bombardeados com vídeos do personagem “Turista da Veiga” situando erroneamente suas cidades na TV.
O uso da campanha negativa eletrônica não tem monopólio partidário. Dilma passando mal após debate no SBT virou meme e, mais do que isso, “prova” disseminada por partidários de Aécio de que o tucano havia nocauteado a petista, ao ponto de derrubar-lhe a pressão e fazê-la pedir para sentar. Não importa ser ou não verdade. Na anticampanha, parecer já basta.
Ao cumprir seu papel de expor os poderosos e despi-los da imagem cuidadosamente composta pelo marketing, a própria imprensa produz ou reproduz matéria-prima que vem e vai pelo lado B da campanha eleitoral. Não é uma novidade desta eleição, porém.
A diferença de 2014 é que desde a ditadura o Brasil nunca esteve tão dividido. Nem 2 milhões de intenções de voto separam Aécio e Dilma. É menos de 1% da população, e diminuindo. A maioria vencedora será absoluta, mas – arrisca-se – por definição apenas. O brasileiro estará cindido em duas metades que a miopia e o ódio eleitorais fazem de tudo para tornar irreconciliáveis.
Sem estabilidade política não há estabilidade econômica. Para alcançá-las, o próximo presidente, não importa quem seja, vai precisar compor-se com o PMDB, com os 17 anões partidários do Congresso, mas não só. Terá de dialogar também com a oposição. A mesma oposição que ele ou ela desconstruiu durante a eleição.
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José Roberto de Toledo é colunista do Estado de S.Paulo