O clima esquentou de junho a outubro, nas seis audiências públicas realizadas pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal (CDH), que encampou a discussão da legalização da maconha, com a relatoria de Cristovam Buarque (PDT-DF). Enquanto isso, pouca mídia apareceu por lá para repercutir o tema e ver o que ali, naquela Casa tão importante, acontecia.
A impressão que tem passado é que quando temos matérias sobre o tema, não se procura o ouvir o lado dos que se posicionam contra. Há toda sorte de fontes: médicos, psicólogos, cientistas, psiquiatras, promotores da infância e juventude, delegados, mães e pais de família, usuários de drogas que vivem em constante luta para não serem derrotados pelo vício, professores, enfim.
Tudo leva a crer que a mídia já pacificou o assunto. Julgou e decidiu: Pronto, vamos legalizar. Quando tentei falar com colegas nas redações sobre o tema, quando muito consegui ser ouvido, mas não havia espaço para ouvir mais sobre o outro lado. É mais fácil colocar todos no mesmo cesto: o dos proibicionistas. Teve colega que chegou ao cúmulo de antes de eu começar a falar perguntar qual era minha religião… Perguntei se gostaria de saber o tamanho de meu pé também… Eu trazia dados estatísticos, pesquisas, exemplos de outros países, questionamento sobre o que anda acontecendo nos países que legalizaram… Estava com matérias do Daily Mail, do canal americano NBC, com vídeos de ativistas falando no YouTube que já estavam com esquemas montados, com tudo pronto para que, quando legalizassem o medicinal, pudessem comprar receitas de médicos, num sistema “onde tudo mundo sai ganhando”… Mas qual nada. Todo e qualquer material, por melhor e mais forte, real e embasado que seja, não encontra abrigo contra esse processo supostamente viciado.
Os fatos falam por si…
Até que chegou a sexta e última audiência pública, realizada no último dia 13 de outubro. As anteriores tiveram inexplicavelmente um desequilíbrio de forças: contaram com mais representantes pró do que contra nas mesas. Depois de muito reclamar, os oposicionistas foram em parte atendidos: contaram com uma mesa formada somente por eles. Mais uma vez, tal postura não ensejou ao debate. Mais: piorou mais ainda… Todas as audiências anteriores foram transmitidas ao vivo pela TV Senado e depois reprisadas diversas vezes. A última foi transmitida ao vivo, mas não reprisada em horários diferentes. O senador Magno Malta, presidente da recém-criada Frente Parlamentar Mista Contra a Legalização das Drogas no Brasil, mandou reclamação formal. Nem assim justamente a sexta audiência foi reprisada.
Para completar, a matéria “CDH encerra ciclo de debates sobre a maconha“, da excelente Agência Senado, traz no fim do texto um resumo de cada audiência. E adivinhe qual debate não entra nos resumos? Exato. A sexta. Aprendi na carreira que muitas coincidências vão virando evidências…
Ligamos e falamos com o editor-chefe da Agência, explicando que faltava critério de “paralelismo ou simetria de construção para deixar a matéria ainda melhor, equânime e fiel aos fatos, como alias tem sido sempre a linha, o tom e o rigor do bom jornalismo praticado por vocês desde a criação da Agência em 1995”. Ele pediu que formalizássemos tais explicações. Assim foi feito e… Nada. No texto, usamos as próprias palavras que a agência usa para explicar a missão deles: “A Agência pratica um jornalismo público e pluralista, reafirmando ao mesmo tempo compromissos claros com a democracia e suas instituições.” Mais que um discurso, esse é o jornalismo admirável que eles têm feito há cerca de 19 anos. Mais uma vez, a abordagem parece, no mínimo viciada. Se não fosse assim, teria agido de forma diferente. Os fatos supostamente falam por si…
Perguntas fora do debate
Temas importantes estão fora das matérias: O Brasil está pronto? A maconha é o maior problema de segurança pública do Brasil? Os critérios de segurança da Anvisa fazem sentido – afinal, o Canabidiol foi muito testado (levando-se em conta o número de estudos e de pessoas submetidas a testes)? Quem se responsabilizaria caso algum efeito adverso ocorra? Como a importação do medicamento, aos que conseguiram a autorização de importação, pode ser mais rápida? Por que alguns países super democráticos, como a Suíça, liberaram e depois voltaram atrás de forma tão contundente que até aumentaram o rigor da repressão? Por que os ativistas afirmam que a legalização terminará com o tráfico e em países onde foi liberado ele ainda existe? Se é uma questão de segurança pública, então por que não se discutir de modo radical uma reforma de nosso sistema de repressão, do sistema penitenciário, da forma como não se julgam em tempo os que estão presos? Por que não um embate direto de enfrentamento jurídico, político, econômico, educacional, cultural, social e parlamentar do caso? Enfim, para um bom jornalismo, perguntas pertinentes não faltam…
Temos que ficar catando nas entrelinhas das matérias algum posicionamento de alerta. E ele, normalmente não aparece no lead, no olho, no sutiã, no box… Quando aparece, vem perdido no meio do texto. Somente um olhar arguto poderá extrair algum pedaço de aspas levantando algo contrário. Por exemplo, na matéria “Senador elabora parecer para apoiar regulamentação do uso medicinal da maconha“, da EBC, temos ouvidas apenas duas fontes, o senador Cristovam (que fará o relatório) e uma mãe que defende a causa medicinal. Ninguém da Anvisa, do CFM, do Ministério da Saúde ( que tem posições embasadas sobre o tema) foi procurado… Para a sorte do tema, em meio ao discurso desta mãe defensora, há uma pequena luz. Ela diz: “Acho complicado liberar para todo mundo produzir, não temos segurança jurídica e nem policial para isso.”
Respostas fáceis
Vivemos num tempo imediatista em que, aparentemente, quando uma causa parece distante, ou a solução para um problema não é fácil e próxima, preferimos desistir. Como se ao invés de lutar para manter uma perna que está doente, escolhe-se amputá-la ou deixá-la gangrenar. O mundo assiste um ataque econômico e simplista de várias frentes pela legalização da maconha. Ao invés de se reconhecer e procurar soluções para lidar com o problema prefere-se deixar de mão e abrir a porta ao rumo incerto que virá. Sem importar se dará certo ou não, quantas vidas e quais os novos problemas a pseudo-solução trará. Que se perca uma geração de crianças e jovens para que a descoberta seja feita.
Diz-se, por exemplo, que com a legalização os traficantes ganharão menos, que o mercado da maconha sem regulamentação gera violência, crimes e corrupção. O usuário é penalizado e milhares de jovens estão presos por tráfico. Os partidários disso defendem que a maconha deve ser regularizada, como já ocorre com as bebidas alcoólicas e os cigarros. Defendem o cultivo caseiro, o registro de clubes de cultivadores, licenciamento de estabelecimentos de cultivo e de venda de maconha no atacado e no varejo e regularizar o uso medicinal. Não se pensa que apenas parte do dinheiro mudará de mão, irá para os novos plantadores e para a indústria farmacêutica. Os traficantes continuarão de qualquer forma. Afinal, eles se adaptam. Com a maconha legalizada e se houver autocultivo, eles venderão aos que não quiserem, ou puderem, ou ainda não tiverem paciência para plantar.
Também não se vê que falhamos com o álcool e com o cigarro. Se nós estamos numa campanha árdua para diminuir o número de tabagistas no Brasil e no mundo, seria uma incoerência concordarmos com a liberação dessa substância. O uso da maconha tem, sim, severas repercussões ao longo do tempo nos seus usuários. Os números de problemas causados com esses dois só nos assustam. Não conseguimos fiscalizar o uso de ambos, além da distribuição legalizamos os dois e o que conseguimos? Tráfico. Continuamos com tráfico de bebidas e cigarro clandestinos ou falsificados. A mera regulamentação não resolveu. Colocar imagens fortes nas carteiras de cigarro não resolveu. Vejam os números de acidentes causados pelo efeito de álcool. Criamos a lei seca e… não resolveu. E o que querem fazer em troca? Legalizar mais um novo problema. Os mesmo problemas continuarão, ou piorarão ou ainda virão novos. Quando vejo a exposição dos motivos em prol da legalização, não vejo uma legitima preocupação em resolver os problemas elencados.
Precisamos avançar. Nossos jovens e crianças precisam de nosso compromisso. E a mídia tem um papel importante nisso. Promovendo o debate saudável de ideias e motivos. Devemos isso a eles e a nós mesmos.
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Marcos Linhares é jornalista, escritor e autor de, entre outros, Não existe crime perfeito