Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

As alegações (não divulgadas) da Justiça italiana

Há assuntos dos quais o leitor só consegue se informar razoavelmente bem em blogs. O caso de Henrique Pizzolato é um deles. Quem tentou se informar lendo bons jornais brasileiros, ou ouvindo rádio e televisão, ficou com a ideia de que a Justiça italiana rejeitou o pedido de extradição do ex-funcionário do Banco do Brasil por causa das alegações da defesa sobre as péssimas condições carcerárias existentes aqui.

Lendo um artigo do jornalista Miguel do Rosário no blog O Cafezinho (31/10, ver aqui), entendi finalmente que a questão das penitenciárias foi a quinta entre as cinco alegações, numeradas por ordem de importância. A primeira, e certamente a mais importante nas considerações dos juízes italianos, está ligada diretamente ao processo judiciário. Mais precisamente, a um gritante erro judiciário. Os interessados devem ler o que escreveu Miguel do Rosário, que resumiu em português as alegações da defesa e disponibilizou um link para quem quiser ler as 76 páginas em italiano (ver aqui). Não me animei a tanto, mas é possível fazer aqui um breve resumo com base no texto de Rosário.

Em primeiro lugar, concordo com ele que a sociedade, num ambiente democrático, pode e deve debater os arbítrios e o próprio mérito das sentenças de juízes, para evitar que venhamos a cair numa ditadura judicial. “Não há verdades absolutas numa democracia, e mais ainda em sentenças judiciais”, escreve Rosário. “Tudo deve ser posto sob o escrutínio implacável de um debate livre e aberto de ideias.” Sobretudo no caso da Ação Penal 470 que, para o autor, “é o mais perigoso ovo de serpente da nossa democracia”.

Por quê? Por ser um caso em que a Procuradoria Geral da República e o Supremo Tribunal Federal cederam claramente às pressões de setores politica e economicamente poderosos no Brasil. Distante da pressão da mídia brasileira, a Justiça italiana pôde se debruçar sobre os questionamentos de todo o processo, feitos pela defesa de Pizzolato. E certamente não se deixará influenciar pelo indiciamento dele, feito agora pela Polícia Federal, por causa do uso de documentos falsos para fugir do Brasil. Pois qualquer perseguido político tem o direito de falsificar documentos. Essa parece ser uma verdade reconhecida internacionalmente pelos tribunais.

Juiz que acompanha investigação não pode julgar

E já não resta dúvida, após o julgamento na Itália, de que Pizzolato é um perseguido político. Ele foi usado com o objetivo final de enfraquecer e derrotar o PT eleitoralmente. O Ministério Público acusou 40 pessoas por envolvimento no mensalão do PT. Como entre os acusados havia três deputados federais suspeitos de receberem pagamentos mensais para aprovarem projetos de interesse do governo Lula, todos acabaram sendo julgados pelo Supremo, que violou assim o princípio do juiz natural e do direito ao duplo grau de jurisdição.

O Supremo seria competente, por certo, para julgar crimes penais comuns atribuídos a pessoas que ocupam cargos específicos, como presidente e vice-presidente da República, membros do Congresso Nacional, ministros e o procurador-geral da República. Ultrapassar essa competência, se não foi importante para o STF – que decidiu também julgar quem não ocupava tais cargos na época da aceitação da denúncia –, foi muito importante para os juízes italianos que julgaram na Itália o pedido de extradição de Pizzolato. Pois, por maioria, os ministros do Supremo tiraram do acusado a possibilidade de recorrer da sentença de condenação a outro tribunal brasileiro. Desse modo, ele foi julgado por um tribunal incompetente que emitiu uma sentença inapelável.

Além disso, alegou a defesa de Pizzolato, houve violação do princípio de imparcialidade do órgão julgador, segundo o qual o juiz que acompanha a fase de investigação não pode julgar. O ministro Joaquim Barbosa acompanhou a fase de inquérito, apresentou, como relator, seu relatório final e também julgou e votou pela aceitação da denúncia apresentada pelo procurador-geral da República.

Provas separadas

Na fase seguinte, a da ação penal, ela foi acompanhada por Joaquim Barbosa, que em 2012 também julgou e votou, acumulando os cargos de relator, de juiz e de presidente do STF (cargo que assumiu no curso do julgamento). Exerceu assim um duplo papel incompatível com as garantias ditadas na Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Tão grave quanto isso foi a violação do direito de defesa, pois muitos documentos e elementos probatórios que teriam retirado as acusações contra Pizzolato foram negados à defesa com motivações enganosas.

É bom lembrar que havia pressa em apresentar as denúncias contra os “40 ladrões” – um número fabulosamente bem escolhido, por remeter a Ali Babá – antes das eleições de 2006, para dificultar a reeleição de Lula. (Como houve pressa em concluir o julgamento antes da reeleição de Dilma.) Desse modo, o procurador-geral apresentou denúncia contra as 40 pessoas, apesar de saber que as investigações da PF não tinham sido ainda concluídas. A Polícia Federal continuou as investigações após a denúncia feita pelo Ministério Público ao Supremo. E acabou apresentando documentos que demonstravam que Pizzolato, acusado pelos crimes de peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, não era responsável pelos fatos que foram atribuídos a ele.

O procurador-geral, porém, solicitou a Joaquim Barbosa – e este acatou – que em vez de anexar as provas ao processo para conhecimento da defesa de Pizzolato, elas fossem separadas e colocadas num outro processo, com nova numeração (a de nº 2.474), para ser julgado na primeira instância, em segredo de Justiça.

Entre todos os funcionários do Banco do Brasil envolvidos na questão julgada contra Pizzolato, ele era o único petista. Talvez, aos olhos de Joaquim Barbosa, essa fosse sua principal culpa.

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José de Souza Castro é jornalista