Uma das figuras mais polêmicas do jornalismo é o assessor de imprensa. Afinal, é jornalista, de fato? Ele traiu a causa da imparcialidade e se “vendeu” para os prolíferos mercados da comunicação estratégica? Quem teria legitimidade para exercer tal atividade? As respostas destas perguntas podem ter versões diferentes, dependendo do país onde o interlocutor se encontrar. Peguemos como exemplo o Brasil e sua antiga metrópole, Portugal.
No país lusitano, a função é desempenhada pelos profissionais de relações públicas, sendo vedado ao jornalista trabalhar simultaneamente na área. O ponto 1, alínea b, do Art. 3º do Estatuto do Jornalista Português define que o exercício da profissão é incompatível com o desempenho de “funções remuneradas de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de orientação e execução de estratégias comerciais”. Para reforçar a posição, o Código Deontológico do jornalista português, aprovado em 1993, determinou, no item 10, o seguinte: “O jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios susceptíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional. O jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesse.”
Em Portugal, portanto, jornalismo se faz em veículos noticiosos. A atividade de assessoria de imprensa é de competência dos RPs, mas não se descarta a possibilidade do jornalista trabalhar em tal função – desde que suspenda seu registro profissional. A suspensão, contudo, não é definitiva. É lícito ao assessor retornar à imprensa posteriormente, recuperando a matrícula.
Discrepâncias sobre a ética
No Brasil, a conjectura é diferente: o assessor é visto também como jornalista. O inciso I do Art. 12 do Código de Ética Jornalística Brasileiro – disponível no site da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) – disciplina as peculiaridades tupiniquins: “Ressalvadas as especificidades da assessoria de imprensa, ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, o maior número de pessoas e instituições envolvidas em uma cobertura jornalística, principalmente aquelas que são objeto de acusações não suficientemente demonstradas ou verificadas.”
O dispositivo, confusamente, estabelece que a ética varia entre profissionais de veículos e assessores. Os primeiros têm por obrigação escutar todos os lados de uma história; os segundos, não. O Art 7º, inciso VI, da mesma carta, preconiza que o jornalista não pode “realizar cobertura jornalística para o meio de comunicação em que trabalha sobre organizações públicas, privadas ou não-governamentais, da qual seja assessor, empregado, prestador de serviço ou proprietário, nem utilizar o referido veículo para defender os interesses dessas instituições ou de autoridades a elas relacionadas”.
O modelo brasileiro de assessoria, portanto, criou uma cultura que permite ao jornalista trabalhar como assessor de imprensa, simultaneamente, desde que não use seu poder de influência para repercutir as histórias de seus clientes. Isto é, não há óbice para o duplo emprego e nem a necessidade do congelamento da matrícula. Aliás, esta prática é vista como natural em muitos veículos de comunicação, que não fazem barreira a atividades análogas. Destarte, assessoria de imprensa, naquilo que envolve métodos de trabalho, é jornalismo. A diferença entre Brasil e Portugal, como se viu, está na simultaneidade. Os dois países reconhecem que o jornalista tem cabedal para atuar como assessor, ou seja, assumem que as atividades são compatíveis, independentemente de formação específica em relações públicas. Este é um ponto.
O segundo é que o Código de Ética brasileiro precisa ser revisado o quanto antes, a fim de acabar com suas discrepâncias sobre a própria ética que prega e em relação ao exercício da profissão. Espelhar o texto português seria um bom começo.
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Gabriel Bocorny Guidotti é bacharel em Direito e estudante de Jornalismo