Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

TV Globo e a ‘Veja’ reelegeram Dilma

Eu gostaria de iniciar contando uma pequena história sobre duas famílias de caseiros no interior de Goiás. Há trinta anos, tenho um pequeno sítio no município de Luziânia, cidade que fica a 60 quilômetros de Brasília, e refleti muito, nestes dias de “batalha” eleitoral, sobre a trajetória desses dois núcleos familiares com os quais convivi nas duas últimas décadas. O primeiro, há quase vinte anos, era formado pelo pai, a mãe e quatro filhos (seriam seis, se uma das gêmeas caçulas não tivesse sofrido uma pneumonia fatal com poucos meses de vida e o mais velho não tivesse morrido aos doze anos num acidente de trator, voltando do “trabalho”).

Para ir à escolinha, localizada numa grande fazenda próxima, as crianças andavam a pé uma distância de aproximadamente seis quilômetros. Claro está que a frequência era baixa e a evasão era repetitiva. Começavam todo ano, mas sempre abandonavam as aulas durante o período letivo. Como não era regular a merenda escolar, eram crianças totalmente subnutridas. A família, literalmente, vivia na fome. Desintegrou-se totalmente com a ida para a cidade, em busca de melhores condições de vida. O casal se separou, os dois filhos homens hoje são dependentes de álcool, sendo que um deles vive pelas ruas de Luziânia e o outro trabalha fazendo bico para terceiros; não tenho notícias das filhas. O pai morava até 2013 em um pequeno cômodo, pago com a aposentadoria de um salário mínimo. Hoje também não sei mais notícias dele.

A segunda família, também de caseiros na região, recebe um salário mínimo de remuneração. Mas qual é a diferença? Dos três filhos (a caçula tem quatro anos de idade), o ônibus pega dois na porta de casa e os leva para um polo educacional (uma escola municipal, ensino fundamental, e uma estadual, ensino médio, onde também há um pequeno posto de saúde, com equipe de atendimento todos os dias e médico regular) a quinze quilômetros dali. Chegando lá, eles recebem o café da manhã e, antes de voltar para casa, ao meio-dia, no mesmo ônibus, almoçam na escola. O pai conseguiu economizar o suficiente para comprar um carro (um Uno 2007) e tem uma velha moto que usa no trabalho diário olhando o gado e as pastagens da fazenda. A mãe cuida da casa e de uma pequena horta. Têm uma TV grande, nova, e telefone celular. Uma vez por mês vão todos ao médico e regularmente ao dentista. Ao final do mês a mãe vai até Luziânia, recebe a Bolsa-Família e faz a feira de comida para o mês inteiro. Quem compra arroz, feijão, sal e óleo para o mês todo, jamais irá ver os filhos dormirem sem comer, ao contrário daquela outra família, que, na época, não sei em quem votava. Mas esta última, eu penso, sem nenhuma certeza, que votou na Dilma. À pergunta se querem se mudar para a cidade, respondem invariavelmente que não.

Goleadas acachapantes

Por certo você estará se perguntando: mas o que tem isto a ver com a Globo e a Veja terem reeleito a Dilma? É aí que começo a fazer as conexões. É muito recorrente escutar dessas pessoas que os jornais da Globo só sabem dar notícia ruim e falar mal do governo. Este é o primeiro ponto. As pessoas que foram beneficiadas com os programas sociais estatais sentem-se ofendidas quando escutam falar mal daquilo que eles consideram como sendo a fonte de seu pequeno bem-estar. Por menor que seja este bem-estar, é indiscutível a diferença do Brasil de hoje para o Brasil de vinte anos atrás. Não quero entrar na discussão rasteira de quem fez mais, se foi o PSDB que preparou o terreno ou se foi o PT que plantou. A discussão é outra. A vida, para os menos favorecidos, está, indiscutivelmente, muito, infinitamente melhor. E a grande mídia brasileira, representada pela Rede Globo e pela Abril (Veja), mesmo tendo um falso discurso de imparcialidade, assumiu claramente uma pauta negativa do governo para tirar o PT do poder. Eles têm lá suas razões, também não quero julgá-las. O mal dessa história é não assumirem editorialmente que estão de um lado.

E é exatamente aí que se completa o tiro pela culatra. Com a intenção clara de eleger Aécio Neves, toda a pauta se voltou para este intento, durante quatro anos. E quem está dizendo isto não sou eu. Todas as pesquisas sobre a pauta da grande mídia demonstram cabalmente este fato. Levantamento de quantas notícias favoráveis ao PSDB e ao governo, como um todo, retrata goleadas acachapantes que variam de 150 até 200 a 20, 25, coisas assim. E quando dão uma boa notícia sobre o governo é sempre com ressalvas. Tais como “Apesar de uma taxa de quase pleno emprego, a economia vai mal”. Não acho que seria correta uma manchete chapa branca que dissesse o contrário (por exemplo: “Apesar de a economia ir mal, o governo consegue manter no Brasil uma taxa de quase pleno emprego”). Porém, se a manchete fosse somente informativa, de que “o Brasil passa por um momento em que a economia vai mal” e outra, que informasse que, atualmente, “o Brasil vive um momento de quase pleno emprego”, pareceria menos manipulativo. Além de ser mais correta jornalisticamente para quem se diz neutro, a notícia pareceria mais honesta.

Massa de manobra

E nem vou entrar nas acusações escabrosas de corrupção de parte a parte. Para quem ainda tem dúvidas em relação à postura da grande mídia sobre o que significou a vitória de Dilma Rousseff, faço um convite a escutar os comentários da CBN (principalmente os de Merval Pereira e de Sardenberg) e rever (ou ver) na internet os programas da Globo News do dia 26/10, depois que saíram os resultados das urnas. Chamou-me a atenção o maniqueísmo do Manhattan Connection, que desenhava sarcasticamente os eleitores do PT como pobres desinformados. Com esta postura, a grande mídia, representada pela Globo e pela Veja, ao invés de conseguir seu intento de eleger Aécio Neves, mesmo sem assumir editorialmente tal objetivo, prestou um grande desserviço ao Brasil (não estou dizendo que colocar o PSDB na presidência seria o contrário). Ao tentar falsear o discurso, dizendo-se neutra, quando na verdade tinha um lado (o que defendo ser totalmente legítimo, desde que seja assumido), passou a ideia de que pretendia manipular uma eleição que poderia, até, ter tido outro desfecho. Muitos votos que foram depositados pró-Dilma, foram, inegavelmente, votos de protesto. Não protesto contra políticos, tanto por aqueles que foram beneficiados pelos programas sociais do Estado (não estou falando “governo”), quanto por uma classe média mais letrada (e não estou falando “mais informada”), mas protesto contra o grupo de intelectuais que se arvora em tentar dizer, pela grande mídia, que, exatamente por esta condição de intelectuais, sabe o que é bom para os outros. Só que a verdade é que hoje, com toda possibilidade de receber informações alternativas, as pessoas (tanto de um grupo quanto de outro) sentem-se muito ofendidas com este tipo de postura demonstrada na Globo e na Veja. Como se sabem donos dos próprios narizes, o pensamento é: “Estão pensando o que? Que somos idiotas?”

Entendo que foi assim. Quando a grande mídia brasileira, na qual se destacam a Globo e a Abril (Veja), fizeram a opção não de informar, mas de claramente querer orientar o voto para um lado, ao invés de fazer com que um grande grupo de eleitores se sentisse prestigiado, por ser considerado capaz de fazer suas próprias escolhas, se sentiu considerado como manipulável. O que foi péssimo. E foi por isso que a Globo e a Veja, ao contrário do que pretendiam, reelegeram Dilma. Se para o bem ou para o mal, só o tempo dirá. Não estaria na hora da Veja e da Globo fazerem editoriais dizendo claramente ao lado de que partido político estão? E por quê? Como fazem as redes de comunicação de outros países, que nem por isso perdem credibilidade. Para encerrar, não entrei nas brigas das redes sociais (inclusive saindo do Facebook na reta final da campanha), mas votei na Dilma. Por causa de histórias como a das duas famílias que narrei acima e por fazer parte da Educação Superior (pública). Neste campo, estamos passando por uma verdadeira revolução, voltada prioritariamente para a formação de professores, o que irá se refletir na sociedade, como um todo e na educação básica, a médio e a longo prazo. Estas são as minhas razões. Votei, torci e expus meus argumentos em favor deste projeto de governo (aqui, sim, é um projeto de “governo”) voltado para um Estado que se responsabilize por uma área tão vital quanto a Educação, que no outro sempre foi claramente privatista. Fiquei feliz pela reeleição da presidente, mas frustrado por entender que esta reeleição se deu por causa da Veja e da Globo. Teria sido muito melhor se não tivesse este sabor amargo de perceber que muitos, neste país, ainda acreditam que as pessoas são massa de manobra. E elas não são, definitivamente.

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Jorge Graça Veloso é ator e professor universitário