Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ecos das escaramuças de 1888-89

No dia 3/11/2014 ocorreu um seminário de economia em Porto Alegre, quando palestraram Alberto Carlos Almeida, Gustavo Loyola e Márcio Pochmann. A plateia era na maioria de classe média. Classe média mais para classe média alta. Tenho dificuldades de estabelecer fronteiras entre classe média e classe média alta, mas esta questão não é o foco agora. Destaque para a grande presença, além dos participantes da ativa e aposentados da Fundação CEEE, patrocinadora de evento, de economistas, jornalistas, corretores e aplicadores da Bolsa de Valores.

O primeiro palestrante foi Alberto Carlos Almeida, que discorreu, principalmente, sobre as eleições, os mecanismos de funcionamento do regime presidencialista brasileiro, que ele chama com propriedade de presidencialismo de coalizão, e mundial. En passant,discorreu sobre as diferenças entre o regime presidencialista e o parlamentarista, demonstrando preferência pelo primeiro. Por fim fez uma análise histórica das eleições ocorridas após a redemocratização e uma comparação dos perfis de Dilma e Lula.

Gustavo Loyola, na sequência, fez uma análise da economia brasileira e mundial, apontando rumos e tendências sob a ótica do investidor nacional e internacional.

Márcio Pochmann, por sua vez, fez um mergulho mais profundo e provocativo, se levarmos em conta a plateia presente. Associou toda esta grita de revolta que ainda reverbera, repercutida pela grande mídia, aos grandes momentos de mudança institucional, política e social do país que foram à abolição da escravatura, em 1888, seguida da proclamação da República, em 1889, e o golpe tenentista de 1930. Sobre este clima pós-eleitoral, veja Alberto Dines no seu artigo “Ressaca eleitoral e misturas pouco recomendáveis“ e artigo do Muda Mais com regras para não propagar o ódio (ver aqui).

O estado “mais politizado do país”

Márcio Pochmann disse que, ao pesquisar os principais jornais de época – de propriedade dos escravocratas e/ou monarquistas em 1888-9 e dos barões do café em 1930, respectivamente – percebe-se um clima de revolta similar ao de hoje. Logo começou a tomar conta um incômodo geral, transformado em burburinho com intenção de virar tumulto. Era demais para a maioria ali presente ouvir aquela fala contrariando tudo o que conheciam via grande mídia. Na fileira atrás de mim, estava um sujeito que resmungava a toda hora, contrariado. Ouvi-o falar “Ele só vê o lado bom”. Quando o mediador pediu para que deixassem o palestrante falar e depois se manifestassem, ouvi-o falar com arrogância: “Nós, maioria, deixamos você falar.” Em outro momento tenso, quando Márcio Pochmann afirmou que a diferença hoje é que “Nada fica escondido embaixo do tapete ou engavetado como no tempo do FHC, que tinha um procurador-chefe da República que ganhou o apelido de engavetador da República, além do fato do PT ver os seus sendo presos e condenados enquanto os de outros partidos que cometem igual ou pior não sofrerem nenhuma condenação” esboçou-se uma risada debochada geral que foi sustada pelo mediador. Na hora das perguntas da plateia, o mediador teve que juntar várias perguntas usando o termo “bolivariano”, termo criado e divulgado por gente tipo Lobão, Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi et caterva, e as respostas dos palestrantes foram no sentido de discordarem denunciando a impropriedade do mesmo para o caso brasileiro. Note-se que os dois primeiros debatedores não são exemplos de pensadores ligados ao PT. Ao contrário, Gustavo Loyola foi presidente do Banco Central no período FHC e, como dono da Tendência Consultoria Integrada, aconselha aplicação dos rentistas nacionais e internacionais. Alberto Carlos Almeida, apesar de ter se notabilizado pelo livro A Cabeça do Brasileiro e ter sido incensado pela grande mídia no começo, logo se tornou passível de crítica por brucutus tipo Reinaldo Azevedo e, recentemente, desconstruiu aquela gente do Manhattan Connection com raciocínios sensatos e contrários à cartilha do Consenso de Washington.

Outra pergunta da plateia, que seria estranho não ocorresse e foi mais uma afirmação, disse respeito ao Bolsa-Família. Nela foi apontado o risco que a economia corria com este tipo de assistencialismo, pois, segundo o formulador da pergunta a continuar este estado de coisas “o país corria sérios riscos de problemas futuros”. A resposta dos palestrantes foi unanime, demonstrando que algo que representa 0,5% da receita da União é impossível de representar algo neste sentido. Sem falar da importância dele para minorar o sofrimento dos mais carentes e como mecanismo de diminuição das desigualdades reconhecido até pela oposição, como se viu nos debates. É um tipo de pergunta que depõe contra quem a formula. Demonstra ignorância dos valores envolvidos e preconceito puro. Expõe quem a formula ao ridículo que só não é percebido porque este tipo de pensamento tem o aval do senso comum conservador, como se percebe ad nauseam nas mídias sociais. Pior, tem destaque na grande mídia e é chancelado e/ou estimulado, por “formadores de opinião” como Lobão, Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Marco Antônio Villa et caterva.

Este é um retrato do momento, meio rascunhado, superficial, de um estado da federação brasileira que se vangloria como o mais politizado do país.

< ****** Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor