Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Como democratizar a mídia?

Aconteceu na quinta-feira (13/11) um ato liderado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) que reuniu pelo menos 15 mil pessoas debaixo de chuva numa noite fria em São Paulo (20 mil segundo os organizadores da manifestação, 12 mil de acordo com a Polícia Militar). Não é difícil deduzir que grande parte dos que lá se somaram não foram eleitores de Aécio Neves. Logo, o primeiro mito que geralmente se populariza distorcendo a democracia cai por terra: o de que quem votou 13 agora tem de assistir a tudo calado. Definitivamente, não. Uma democracia se consolida dessa maneira: possíveis eleitores de Dilma, ou seja, seus representados, já tomam as ruas para que os discursos e as pautas que conduziram o povo em sua escolha sejam efetivamente levados adiante. Num regime democrático, a história mostra, escolhemos aqueles de quem iremos cobrar, e não aqueles a quem iremos apenas aplaudir.

Tomar as ruas de São Paulo (Paulista, Jardins e Centro) para lembrar aos eleitos que eles foram escolhidos para fazerem por nós é um exercício que nos faz perceber que nem todo mundo confunde política com futebol. Ocupar as ruas é uma atitude legítima e historicamente ajudou países com democracias consolidadas a entenderem o próprio papel da população num regime democrático. E devemos entender que se nossa ambição é a democracia, é muito bom saber que junho de 2013 não acabou.

No entanto, dada a complexidade dos momentos pelos quais o Brasil tem passado – e o nosso caminho não é catastrófico, como apregoam alguns – talvez seja o momento de assumirmos a dura responsabilidade que demanda uma democracia. Uma delas? A reconfiguração dos próprios instrumentos democráticos. Tomar as ruas é importante, pois a história confirma isso. Mas não haveria chegado também o momento de percebermos e articularmos outros instrumentos de consolidação da democracia? Este, por exemplo, por meio do qual falo e o leitor lê, não seria um grande instrumento a serviço da democracia? E qual a munição com a qual carregamos esse instrumento democrático chamado internet? Sim, informações. E esse novo (não tão novo assim) dispositivo democrático já foi bem utilizado em junho do ano passado. Mas não estaríamos diante da necessidade de maior compreensão desses dispositivos para, em vez de apenas lançarmos mão dos instrumentos consolidados pela história passada, inventarmos também os instrumentos da história presente na luta pela democracia? Não sugiro com isso que o povo desocupe as ruas e tente travar a batalha apenas em frente aos computadores, mas sim, que somemos as estratégias para que articuladas conjuntamente possamos esboçar modelos mais completos e justos de sociedade.

Estratégias da história

A mídia, que já foi alvo de contestação nos episódios de 2013 (junto com partidos políticos), está voltando, e deve mesmo voltar, para o centro do debate nessa urgência de pautas em prol da democracia. Fala-se hoje em democratizar a mídia. E é claro que esse assunto deve vir à tona, a menos que alguém acredite que a mídia brasileira esteja de fato democratizada e que não sejam as articulações político-econômicas que determinam o que é notícia em nosso país. E, mais uma vez, como referido em artigo passado, não reduzamos democracia à liberdade de expressão. Esta é apenas um ponto de partida daquela, que por sua vez é uma construção coletiva e não pode agredir os direitos conquistados pela sociedade.

Trazendo então o debate acerca da democratização das mídias à baila, o que precisamos compreender de imediato é que, antes de sairmos defendendo fervorosamente um dos lados, temos de realmente entender o que diz o projeto, o que dizem seus defensores e, claro, o que dizem os que farão a linha de resistência ao projeto. De um lado, o dos entusiastas, há um mundo quase maravilhoso em que mais pessoas e culturas se verão representadas na mídia, bem como há também uma preocupação em quebrar oligopólios (oligarquias com monopólios) da informação (e isso de fato existe e deve ser combatido no Brasil); há ainda a regulamentação do ofício, sobretudo do jornalista. Do outro lado, dos que fazem resistência, há a propagação de que esse projeto não passa de um eufemismo para a censura.

Não tiro a razão, por enquanto, de nenhum dos lados. Pois diante de uma regulamentação há sempre um Conselho que delibera o que é ou não da ordem da ética, da democracia, enfim, o que é permitido ou merece ser punido. E se esse Conselho não for constituído de forma democrática, ou seja, com representatividade de toda a sociedade, incluindo, claro, os jornalistas, podemos, sim, estar diante de um dispositivo de censura. Por outro lado, se o Conselho for constituído de forma democrática, com representatividade de diferentes partes (incluindo jornalistas, empresas de comunicação, entidades ligadas ao governo, sociólogos, ONGs, por que não?, enfim, diferentes frentes de interesses) o projeto pode, sim, consistir numa conquista democrática. Há aqueles que vão gritar, dizer que isso ameaça a liberdade de expressão. Mas nunca é demais repetir: a liberdade de expressão deve depor a favor da democracia. Não sei se podemos confiar que seja isso que vem sendo praticado no Brasil hoje.

De qualquer forma, é hora de entender o caso, e não necessariamente se posicionar sem a devida reflexão. E, vale enfatizar, não nos esqueçamos que quando esse debate for tornado público, se é que isso acontecerá, ele nos chegará justamente por meio da mídia, o que aumenta a complexidade da discussão, pois tende a não chegar de forma tão equilibrada.

Democratizar é, definitivamente, uma coisa difícil, por isso a necessidade de articularmos as estratégias que prestaram favores na história, ocupação de ruas, com as estratégias da contemporaneidade, melhor utilização das tecnologias e dos meios de informação.

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Cristiano de Sales é professor de Comunicação Social