Nada como um dia após o outro. Embora nada seja tão ruim que não possa piorar um pouco mais, axioma máximo da irrefutável cartilha de Murphy, no fim, mesmo que demore uma eternidade, o bem, a virtude e a justiça prevalecem. É nisso que a gente acredita e em que se fundamenta – mesmo aos trancos e barrancos – o próprio processo evolutivo da humanidade. Sempre levando em conta, é claro, que isso engloba eventuais retrocessos e surtos de obscurantismo, como se vê aos montes por aí, desde coisas bárbaras, como o tal Estado Islâmico, como aberrações como o funk de periferia, o atual futebol do Botafogo e os descaminhos da outrora valorosa imprensa nativa.
Vai daí que em meio ao cenário dantesco esboçado pela reeleição de Dilma Rousseff e o consequente salvo-conduto à rapinagem promovida por petistas entranhados nas esferas do poder, de repente é possível acreditar que a premissa metafísica de que do caos se fez a luz finalmente pode estar dando o ar da graça em nossos conturbados trópicos. Com o desdobramento das bombásticas revelações da dupla Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef enfim alcançando os capos da máfia que alimentava o bilionário esquema de propinas engendrado em torno da Petrobras – os chefes das empreiteiras contempladas pelas licitações fraudulentas –, a gravidade das denúncias faz com que até mesmo a possibilidade de impeachment da presidente ganhe força.
A diferença é de que desta vez não se pode acusar a grande imprensa de incitamento ou pressão nesse sentido, muito pelo contrário: para surpresa geral, foi no mínimo ambígua a reação da mídia tradicional aos protestos esboçados no sábado (15/11) no centro de São Paulo. Talvez para não endossar as exortações de alguns a uma intervenção militar, algo que até mesmo os críticos mais ferrenhos do governo petista não ousam cogitar. Ao invés disso, uma guinada ao parlamentarismo é a saída vislumbrada por mentes mais arejadas.
Campo minado
De qualquer forma, mesmo com a grande imprensa deixando as reservas de lado e dando o devido destaque às contundentes revelações da dupla de informantes, ao contrário do que ocorreu nas vésperas do pleito, quando somente a revista Veja antecipou as revelações que agora embasam as ações da PF, o impeachment é um terreno minado que por enquanto só é cogitado abertamente nas redes sociais. O que não é de se desprezar, ainda mais com o ainda latente inconformismo destilado pela internet com a reeleição alavancada pelos estados do Nordeste.
O fato é que não há mais como escamotear ou mitigar a gravidade de revelações que confirmam o potencial para “abalar as estruturas da República”, como antecipava o doleiro Youssef no início dos depoimentos. E isto, que ainda não vieram a público detalhes sobre a participação de políticos já mencionados e possivelmente de outros, ainda sob investigação, conforme informação da Polícia Federal. Abalo que pode se transformar em verdadeiro terremoto se comprovado o óbvio conhecimento de Lula e Dilma do esquema que abasteceu a campanha de ambos, se não sob ordem expressa, mediante uma anuência não menos criminosa. Ou alguém acredita que como candidatos ao mais alto cargo do país não tenham tido a curiosidade e o cuidado de saber da procedência da montanha de dinheiro que irrigou suas faraônicas campanhas?
Embora a perspectiva de um impeachment e até mesmo a impugnação de sua reeleição ainda não tenham entrado na pauta da imprensa e da própria oposição, a volatilidade das jornadas de junho e julho do ano passado sugere que o movimento nesse sentido pode evoluir à revelia da mídia e das autoridades. Para tanto, basta que as provas cabais dos delitos sejam apresentadas, o que a Polícia Federal se mostra disposta a fazer, como indica a própria definição de Juízo Final associada aos próximos passos da investigação.
Dinheiro de gorjeta
E é justamente o protagonismo da Polícia Federal que confere a esta investigação o poder de talvez conseguir o que nem o Judiciário e muito menos a imprensa até hoje conseguiram: dar um xeque-mate no secular regime de corrupção e impunidade entranhado no país. Não sem resistência, tentativas de cerceamento e ameaças de toda espécie por parte da poderosa quadrilha envolvida nos delitos, como já se esboça nas declarações dos chefes das empreiteiras detidos e de políticos aliados condenando a divulgação e as prisões sumárias que estão sendo feitas. Mas como não só as provas são contundentes demais como o volume surrupiado no chamado Petrolão faz dos desvios do Mensalão dinheiro de gorjeta, nem mesmo a imprensa chapa-branca parece capaz de impedir o estouro da boiada.
Afinal, trata-se de ações há muito esperadas pela sociedade, sobretudo por finalmente atingirem os verdadeiros mentores da espoliação endêmica que vitima o país governo após governo. Sim, pois embora a coisa tenha exorbitado sob a égide petista, a tradição da roubalheira é prática antiga e de certa forma institucionalizada, abrangente a todos os partidos, como atestam os desvios igualmente graves e comprovados recentemente descobertos nos três últimos mandatos tucanos no estado de São Paulo, envolvendo a CPTM paulistana.
Ou seja, um círculo vicioso perverso e inescrupuloso que o país não aguenta mais, e cuja proliferação, a revelia das leis e sucessão de governos, somente com mão de ferro pode ser contido e debelado. Não na forma de um regime de força e com a volta dos militares, como sonham alguns, mas com o senso e a sede de justiça que vêm sendo demonstrado pela PF. Algo que já não faz parte do ideário de uma imprensa sabidamente corrompida e desfigurada.
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Ivan Berger é jornalista