Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O ‘pegador’ que as mulheres odeiam

Julien Blanc, de 25 anos, é um jovem suíço que mora nos Estados Unidos. Ele ganha a vida vendendo palestras em vários países, quando ensina truques para conquistar e seduzir mulheres. Até aqui, nada demais. Se você acredita que existem experts em sedução e precisa de conselhos para uma coisa natural como um encontro casual, então Julien é apenas alguém explorando um nicho de mercado virtual na web. Na realidade, ele é um predador de rapazes inseguros e que têm dificuldades para conseguir encontros e seduzir mulheres. Um espertalhão que se autointitula “professor de sedução”. Seus métodos são vis, abusivos e inaceitáveis. Ele mesmo diz isso. E garante que tudo funciona.

Julien é um vendedor de “cantadas” que não ensina nada sobre o que acontece depois de uma suposta investida bem-sucedida. O que fazer, então? Ele nunca aborda o que acontece depois que o consentimento mútuo é alcançado. Não acredita em consentimento. Acredita na superioridade física do homem. Em outras palavras, Julien é uma farsa e seu produto caiu porque ninguém pode ensinar aquilo que é instintivo e natural. Ele é um explorador de homens inexperientes e um abusador de mulheres que ainda não aprendeu a lição que merece.

A revista Exame (14/11) publicou matéria sobre o sujeito; ela e uma boa parte da mídia mundial. Explicou que o rapaz costuma pregar violência e abuso contra mulheres e dizer que “elas gostam disso”. Julien caminhou pelas ruas de Tóquio agarrando jovens japonesas pelo pescoço e direcionando suas cabeças para sua virilha. “Um homem branco em Tóquio pode fazer o que quiser”, ele afirmou depois do colóquio. Insultou as japonesas. Foi racista e sexista.

Ele faz parte, explicou Exame, de uma organização chamada “Real Social Dynamics“ – um grupo de misóginos que prega, ou melhor, vende na web um método mágico e um manual que prometem transformar rapazes tímidos em garanhões irresistíveis. E o “método” da turma inclui abuso, intimidação e violência para superar a posição confortável das mulheres no que concerne aos encontros públicos entre estranhos: por tradição, o homem é obrigado a tomar a iniciativa. E isso assusta muita gente que não viveu ou nunca soube que existiu uma “revolução sexual” nos anos 1960.

Acesso bloqueado

Sexo e encontros entre casais são diversão e alegria. O lado mais doce da pesada existência humana não deveria representar problema nem trazer insegurança. Mas não é assim que Julien mostra o mundo a seus discípulos. Um encontro, para ele, é algo complexo e ameaçador que exige estratégia para superar o medo das mulheres. É isto o que ele explora com malícia: a insegurança de muitos jovens homens. A insegurança é a mãe do preconceito e irmã do medo. Os dois hoje em dia habitam as mentes de muitos jovens.

É aí que entram Julien e seus comparsas da “Real Social Nation“, o site base do movimento que não é apenas antifeminista: é antimulher. Observem como a página cultiva o medo natural de muitos rapazes em seus primeiros encontros através deste título: “A cura da ansiedade da aproximação mais exemplos em treinamento de campo”. Embaixo, o complemento: “Como eliminar ansiedade de aproximação – a única grande ‘coisa’ que bloqueia rapazes no ‘jogo’” (da sedução).

No início de novembro, entretanto, Julien encontrou uma adversária poderosa: uma jovem chinesa chamada Jennifer Li iniciou uma virulenta campanha contra ele no Twitter. A moça conseguiu influenciar o governo australiano (que acabou expulsando o “pegador” do país). Petições na Avaaz e outras organizações contra sua entrada em vários países estão na web por todo o planeta.

No Brasil, há uma também que defende a entrada de Julien no país. Recebeu 622 pedidos (em 15/11, até às 19h45). Quase nada. Ninguém quer esse cara aqui. O outro pedido encaminhado pela Avaaz, o que quer sua entrada proibida, contava com o apoio de 378.562 pessoas (em 15/11, até às 19h59). A tendência padrão é o crescimento da ativista chinesa e a queda do falastrão suíço, que bloqueou o acesso do público aos seus tweets e perfil completo. O poder do Twitter para destruir gente como ele é muito grande. Blanc sabe disso muito bem.

O “comunicado interno”

No entanto, seu blog pessoal ainda está acessível para todos. O conteúdo é espantoso. Uma piada trágica para explorar jovens crédulos e inexperientes, insultar e agredir mulheres em geral. É difícil levar a sério coisas deste tipo: “Faça garotas implorarem para dormir com você depois que você deixar seus sistemas emocionais e lógicos em curto circuito”. Isto é pura loucura: quem vai querer fazer amor com uma mulher destruída moralmente, humilhada e submetida a um tratamento cruel? Infelizmente, existem doentes que gostam.

Julien Blanc quer vir ao Brasil e dar palestras secretas a R$ 2.500. Ainda nem pediu visto de entrada, mas o Último Segundo (14/11) e o site da BBC em português (13/11) informaram que o Itamaraty já havia confirmado a proibição de sua entrada no país. Até domingo (16/11), tudo o que tínhamos de fato eram postagens anunciando sua presença aqui em janeiro (Florianópolis e Rio de Janeiro) e um e-mail da diplomacia brasileira publicado na versão tupiniquim do Huffington Post (o Brasil Post, 13/11):

“O Ministério das Relações Exteriores instruiu suas representações diplomáticas e consulares no exterior a consultar Brasília sobre eventual pedido de visto do senhor Julian Blanc. Até o momento, não há registro de pedido de visto. Caso uma solicitação de visto seja recebida por qualquer Embaixada ou Consulado no exterior, já existem elementos suficientes que recomendam a denegação. Para tanto, o Itamaraty acompanha o assunto em coordenação com o Ministério da Justiça e a Secretaria de Políticas para as Mulheres.”

O Itamaraty apenas “acompanha” o caso. Está alerta, mas não tomou decisão. O sujeito ainda não pediu autorização para vir ao Brasil e ministrar suas sinistras aulas e já há sites afirmando a proibição de Blanc no Brasil. Mesmo que nossa diplomacia aprove sua entrada, os dois sites erraram feio ao anunciar algo que ainda não foi concretizado. E eu não acredito em fontes internas que pedem segredo e não se identificam. Ou em “comunicados internos” não confirmados. Não foram só eles que informaram errado: o site da ABC News da Austrália (14/11) também publicou uma suposta proibição da entrada de Julien Blanc no Brasil.

Não há fatos comprovados sobre a proibição da entrada de Julien Blanc em nosso país. Pelo menos até sábado (15/11), não havia confirmação de nada. E sem confirmação e verificação, não existe notícia. A descoberta de uma postagem no Facebook do diplomata brasileiro Hugo Lorenzetti Netto pelo Brasil Post informando a existência de um “comunicado interno” impedindo a entrada do sujeito no Brasil deve ser vista com extrema reserva. Sua colega de profissão Mariana Siqueira Marton contestou a “notícia” no perfil dele (13/11), dizendo que “procurou no sistema interno e não achou nada”. O Itamaraty ainda não havia decidido coisa nenhuma até domingo (16/11).

Olho roxo

Não estou bem certo se a melhor coisa a fazer com Julien Blanc seja proibir sua entrada no país. O diário Telegraph (16/11), de Londres, por meio da repórter Radhika Sanghani, interrogou-se sobre a proibição do acesso do falastrão à Inglaterra. Não seria uma violação de sua liberdade de expressão impedir que ele espalhe seus pontos de vista misóginos entre seus fãs naquele país? Não estariam os ingleses equivocados ao estabelecer um precedente deste tipo, com tantos shows de TV a explicitar visões misóginas do mundo para grandes audiências? O que viria então, a seguir? Proibição de programas humorísticos e expulsão de cômicos sexistas do país?

A reportagem deixou bem claro que as autoridades inglesas não estão dispostas a aturar os abusos do jovem “pegador” em nome da liberdade de expressão. Esta não é uma “vara de condão” capaz de fazer sumir a incitação à violência e os abusos contra mulheres. Julien cruzou uma linha tênue que separa a cantada abusada da incitação à violência contra a mulher. Violência física ou emocional. Julien Blanc não apenas defende pontos de vista inaceitáveis como incita a violência contra a mulher, acusou a repórter do Telegraph.

Talvez a repórter do periódico inglês tenha razão. O rapaz passou dos limites. Mas ainda não estou convencido que o melhor para o Brasil seja proibir a entrada do “predador”. A Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, pode impedir sua vinda ao Brasil, uma vez que seu artigo 26 diz:

“O visto concedido pela autoridade consular configura mera expectativa de direito, podendo a entrada, a estada ou o registro do estrangeiro ser obstado ocorrendo qualquer dos casos do artigo 7º, ou a inconveniência de sua presença no território nacional, a critério do Ministério da Justiça.”

O artigo 7º determina, entre outras coisas, “que não se concederá visto ao estrangeiro considerado nocivo à ordem pública ou aos interesses nacionais”. Com tanta pressão contra ele na web, somada ao seu histórico recente condenável por onde passou, ele pode acabar considerado “nocivo” pelas autoridades brasileiras. Veremos.

Ele quer vir a Florianópolis e Rio de Janeiro, em janeiro do ano que vem. Não sei quanto à capital de Santa Catarina, mas aqui no Rio acredito que ele poderia aprender alguma coisa que ainda falta em seu currículo. Ele deveria conhecer as nossas raves e tentar alguma de suas técnicas de abuso físico contra as cariocas. Seu currículo infame (eu sonho) então estaria completo com a única coisa que falta: a responsabilidade de responder por sua infâmia, estampada em seu rosto por um olho tornado roxo pela mão pesada de alguém que viu e não gostou da tática do “pegador”.

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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor