Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Uma dança com cada vez menos cadeiras

Uma recente conferência da Organização de Imprensa de Madri, na Espanha, apontou que o país tem atualmente 80 mil jornalistas e que a cada ano se formam mais 3 mil. No entanto, apenas 14 mil trabalham na sua área (ver aqui). Os números são alarmantes e apontam para uma nova realidade do jornalismo na era digital: a redução dos postos de trabalho e a acumulação de funções dos profissionais nas redações.

Em artigo publicado no blog objETHOS, do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, a jornalista e pesquisadora Lívia de Souza Vieira aponta números que mostram o enxugamento do mercado no Brasil com as ondas de demissões:

“Em março, o jornal O Globodemitiu cinco profissionais, para contratar outros 22, entre repórteres e técnicos para a área digital. Em agosto, foram 100 demissões no portal Terra, o que representou a quase extinção da redação em Porto Alegre. No mesmo mês, o Grupo RBSprotagonizou o maior processo de demissões em massa no ano (até agora): 130 trabalhadores. Em outubro, foi a vez da ESPNdemitir 10 jornalistas. Em novembro, o esportivo Lance!demitiu 30, e a redação do Rio caiu a quase metade. Neste mesmo mês, houve 5 demissões no Grupo Paranaense de Comunicação. E na última semana foi a vez do jornal Folha de S.Paulo, que demitiu 13 jornalistas, entre eles profissionais com décadas de casa, como Eliane Cantanhêde e Fernando Rodrigues”.

Esse cenário de instabilidade torna os jornalistas ainda mais inseguros, vulneráveis, explorados e com menor liberdade de expressão, como aponta a reportagem da Agência Pública “A revoada dos passaralhos“. Um cenário onde os postos de trabalho decrescem em progressão geométrica, enquanto a carga de trabalho aumenta em nível exponencial.

Liberdade de expressão

Recentemente, num evento sobre jornalismo digital na Universidade Federal Fluminense (UFF), profissionais formados pela instituição comentaram sobre o panorama do mercado e o que os futuros jornalistas devem encontrar pela frente. Diante de uma plateia aterrorizada, o debate de mais de duas horas se resumiu a duas palavras que mostram a ordem das redações atualmente: “enxugar” e “apressar”.

Os convidados – a repórter de um grande jornal carioca, o editor de mídias sociais de um veículo tradicional, o repórter de um jornal público e um jornalista que decidiu abandonar a profissão para se dedicar à docência – foram unânimes ao apontar a velocidade e a diminuição dos postos de trabalho como principais características do jornalismo atual.

A repórter do grande jornal afirmou: “Nós damos mais atenção ao online. Isso exige mais do repórter, que tem que produzir vídeos, áudios, fotos etc.” Já o jornalista que preferiu a docência foi enfático ao apontar os motivos que o fizeram abandonar a carreira: “Tem pouco repórter e o tempo é exíguo”. E contou o episódio que serviu de estopim para o seu pedido de demissão: “Me mandaram para o aeroporto às 2h da manhã para cobrir a chegada da seleção italiana durante a Copa das Confederações e registrar algo para o online, mas a seleção não desembarcou e tive que ir atrás de algo para o site. Só saí da redação às 22h do dia seguinte”.

Já o editor de mídias sociais apontou as diretrizes da empresa em que trabalha: “Você não pode manifestar sua opinião nas redes sociais e deve utilizá-las para divulgação de notícias do veículo. O jornal entende que nas redes não existe o indivíduo, mas sim o jornalista. Ao emitir sua opinião, o jornal entende que você está falando em nome dele”. Outra tendência no jornalismo atual. Grande parte dos veículos de comunicação exige que o profissional integre os seus perfis nas redes sociais com o perfil profissional, usando este como mais um canal da empresa. O que mostra a redução da liberdade de expressão que os jornalistas sofrem e que vai além do ambiente de trabalho.

Descrição insólita

No entanto, o cenário de redução dos postos de trabalho e a grande quantidade de profissionais no mercado ajudam a legitimar a política abusiva e predatória exercida pelos grandes grupos, que impõem jornadas de trabalho massacrantes e salários cada vez menores. Demitem-se três ou quatro profissionais e coloca-se um e mais dois estagiários para fazer o mesmo trabalho. Um negócio e tanto para as grandes empresas.

O professor de Jornalismo da UFF Pedro Aguiar comentou em aula um caso presenciado por ele no congresso de uma universidade pública no Rio de Janeiro, em que o diretor de um jornal online citou o perfil do profissional desejado pelo mercado: que faça tudo, aceite ganhar pouco, trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana, e que “agradeça” por estar empregado. O episódio, inclusive, foi relatado neste Observatório (ver “Jornalista não é robô“).

Porém, esse é um panorama difícil de mudar, já que há poucos postos de trabalho e o jornalista recém-formado se vê num beco sem saída. Pouco tempo atrás, deparei com uma situação que comprova essa realidade para os novos profissionais. Em um grupo do Facebook criado para divulgação de oportunidades para jornalistas, alguém publica a seguinte descrição de vaga: “Sovina online procura recém-formado em Comunicação Social que curta tecnologia e mídias sociais, com conhecimento do pacote Office e boas noções de inglês. R$ 1.200, enviar e-mail para…” A vaga, na verdade, não passava de uma brincadeira, mas lendo os comentários era possível perceber que dezenas de pessoas reclamavam que o e-mail voltava.

Capacidade de crítica

Todas essas questões demostram um cenário desanimador para os futuros jornalistas. Os números do Enade 2012 demonstram que, naquele ano, 13.243 estudantes concluiriam o curso. O que parece um contrassenso com um mercado cada vez mais “enxuto”.

O cenário é triste para os novos profissionais e para o jornalismo em si. A sobrecarga de trabalho decorrente do acúmulo de funções compromete a qualidade da notícia, fato que não é novidade, e que já vem sendo bastante discutido na academia. Com um mercado reduzido e pouco atrativo, a maioria dos profissionais segue para outras áreas, como as assessorias, que pagam melhor e oferecem melhores condições de trabalho. O que se verifica desde a faculdade, onde grande parte dos estudantes procura estágios nesse ramo.

É preciso que os cursos de jornalismo do país formem profissionais cada vez mais empreendedores e críticos com a profissão e o mercado. Mercado que se reduz e exige mais do profissional a cada dia. O que deve prevalecer na formação é a capacidade de crítica e análise do jornalista, que só assim pode transformar essa realidade. E a mudança deve começar na primeira cadeira que o jornalista ocupa: a da universidade.

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Patrick Rosa é estudante de Jornalismo