O público do jornalismo é uma entidade metafísica e enigmática: nunca se sabe que anseios noticiosos brotarão do íntimo de cada um. De um modo geral, leitores, ouvintes e telespectadores têm preferência pelo hard news, isto é, notícias fortes, que garantem grandes repercussões e desdobramentos. É nisso que os veículos apostam, buscando aumentar a audiência e, desse modo, aumentar também as receitas geradas pelos anúncios.
A importância dada ao interlocutor cresce na medida da interatividade e da criação de novas mídias. Entretanto, o jornalismo já teve grandes dificuldades para arrancar, tanto da esfera pública quanto da privada, informações que privilegiassem o interesse coletivo. Durante muitos anos, predominou a política de “o público que se dane”, célebre frase proferida pelo magnata das ferrovias norte-americanas William Henry Vanderbilt. O empresário emitiu a pérola quando inquirido por repórteres sobre as reclamações de usuários a respeito da qualidade dos serviços prestados por suas empresas. Entrou para a história cristalizando o modo pelo qual se davam as relações com a imprensa.
O historiador Eric Goldman, no livro Two-way street, lançado em 1948, elencou quatro etapas que ilustram a trajetória da opinião pública. Em ordem sequencial, a primeira era a lógica autoritária de Vanderbilt. A segunda, que “o público seja enganado”, na época dos malfadados agentes de imprensa – profissionais que falseavam informações buscando as páginas dos meios de comunicação. Criavam factoides, sofismavam, enfim, uma série de arranhões éticos. A terceira consiste na ideia de que “o público seja informado”. Especialmente nos Estados Unidos, a democracia amadureceu ao ponto de as pessoas desenvolverem pensamento crítico para repudiar certos tipos de conteúdo. E, por fim, a fase mais avançada, que perdura até hoje: o público deve ser compreendido.
A pós-modernidade chancelou esta última. O mundo é feito de especialistas. As escolas já não conseguem mais dar conta de todas as carreiras possíveis. E cada profissão tem seu linguajar próprio. Cabe, nesse contexto, fazer ode ao jornalismo. É por meio dele que a informação circula; menos técnica, menos apurada, mas suficiente para que o receptor desenvolva suas próprias convicções. A imprensa, destarte, conecta pessoas diferentes, de expertises diferentes. Realiza um intercâmbio cultural por meio dos valores-notícia.
Trabalho recompensador
O receptor, hoje em dia, está mais exigente no tocante à especialização. É por essa razão que cresce a imprensa alternativa, de nichos normalmente representados por portais verticais na internet. O jornalismo da imprensa de massa, apesar das dificuldades no quadro de pessoal – e na remuneração – faz sua parte e anda se desdobrando, partindo para a ramificação de assuntos. Nos jornais, cadernos sobre carros, carreiras, casa e construção buscam inovar para fidelizar.
O feedback está cada vez mais presente na realidade da mídia de massa. Em meio à facilidade das redes sociais, os usuários da web conquistaram grande poder – de comunicar, inclusive. A ideia de jornalismo colaborativo, de um jornalismo contributivo, nunca esteve tão em voga na história da imprensa. A rapidez proposta pelas novas tecnologias permitiu ao cidadão pautar os veículos quase que instantaneamente. Basta encontrar alguém que esteja disposto a contar sua história.
A participação é fundamental. Afinal, vivemos a era do compartilhamento. Informação para todos os lados, em diferentes plataformas e meios, alimentando consumidores com notícias honestas e ampliadas – bem como falácias ultrajantes. Nesse contexto, é missão do jornalismo separar fatos de boatos, se locupletando da credibilidade. Esta, sim, o grande diferencial dos veículos de comunicação da atualidade.
Construir um relacionamento entendendo os gostos da audiência – horários, motivos, impressões – é condição sine qua non para que a imprensa se mantenha viva e forte em direção às vindouras décadas do século 21. O trabalho é árduo, mas recompensador. Se não existisse, por parte dos repórteres, essa incumbência tácita de revelar mazelas sociais, desnudar querelas urbanas, bem, proliferariam milhões de pessoas mesquinhas como Vanderbilt. O jornalismo tratou de acanhá-las em favor do interesse do público.
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Gabriel Bocorny Guidotti é bacharel em Direito e estudante de Jornalismo