É interessante constatar como os setores conservadores e a mídia hegemônica aproveitam oportunidades como a presença de jovens pobres e negros em shopping-centers, a perda de uma Copa do Mundo ou uma derrota eleitoral de seus candidatos preferidos para destilar todos os seus ódios contra as minorias e, em contrapartida, demonstrar toda a sua subserviência em relação aos países desenvolvidos. Nesse sentido, o presente ano tem sido bastante emblemático para elucidar os velhos preconceitos mesquinhos que assolam a sociedade brasileira.
Os famosos “rolezinhos”, eventos em que jovens da periferia combinam passeios em shopping-centers, demostraram a ira da elite brasileira ao deparar com situações em que negros desejam entrar em lugares destinados aos brancos. Nas redes sociais, espaço onde não há limites para a liberdade de expressão, os adeptos do “rolezinho” foram tachados de baderneiros, bandidos, vândalos e favelados, entre outros adjetivos que geralmente são atribuídos aos pobres no Brasil. Para as classes dominantes, aglomerações de pessoas de cor são sinônimos de violência. Negros e pobres só são socialmente aceitos quando ocupam posições subalternas ou os espaços periféricos a eles destinados; sua presença nos templos do consumismo moderno, os shoppings centers, não deve ser, em hipótese alguma, tolerada.
Por outro lado, a histórica vitória da Alemanha sobre o Brasil por sete tentos a um, na semifinal da Copa do Mundo, trouxe à tona o clássico complexo de vira-latas. Logo após a partida, a famosa frase “tenho vergonha de ser brasileiro” (uma das preferidas dos setores dominantes de nossa sociedade) foi compartilhada incessantemente nas redes sociais e inúmeras postagens exaltavam o povo alemão em detrimento do brasileiro, como se uma única partida de futebol pudesse definir todo o caráter de uma nação. Já os comentaristas esportivos da mídia hegemônica enfatizavam a disciplina tática do escrete germânico em detrimento da desorganizada equipe canarinho, dando a ententer que tais características são naturais desses povos. Outro grande destaque da imprensa foi a atenção dispensada pelos alemães aos indígenas da Bahia como sendo um grande favor concedido pelos “civilizados” europeus aos “selvagens” da América.
Elite e mídia odeiam o povo
Por fim, a votação maçiça da presidenta Dilma Rousseff no Nordeste reacendeu velhos preconceitos regionais. Para os eleitores mais conservadores, o Partido dos Trabalhadores só se mantém no poder devido aos votos dos “ignorantes nordestinos”. Sendo assim, propostas separatistas surgiram por atacado nas redes sociais. Em seu perfil no Facebook, Rodrigo Costantino, colunista da Veja, chegou a pedir a secessão pacífica do Brasil, para que as porções sul e norte do país tivessem seus próprios governos de acordo com as suas convicções.
Infelizmente, os preconceitos acima citados, muitas vezes esmoteados pela hipocrisia cotidiana, tendem a aflorar em momentos de tensões sociais. Vivemos em um país onde elite e mídia odeiam e sentem vergonha do povo, mas se curvam passivamente diante de nações ricas. Como bem asseverou o sociólogo Florestan Fernandes, em troca da manutenção de seus privilégiosas, a classe dominante brasileira não se esforça para reverter nossa condição de subdesenvolvimento econômico e cultural. Lastimável contrassenso.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG