Dezembro é um mês que costuma chegar trazendo aquele velho e nada bom jornalismo de sempre. É quando a falta de criatividade, pensamento crítico e responsabilidade social chega ao extremo. Sei que períodos que se repetem anualmente representam um desafio para quem trabalha com notícias. Não é fácil conseguir trazer focos e abordagens diferentes para o mesmo assunto ano após ano. Mas todas as profissões têm os desafios próprios e a habilidade para superá-los é o que determina a qualidade de cada profissional.
Não vou me alongar acerca dos motivos que levam a essa realidade dentro das redação, que vão desde preguiça, comodismo e falta de cultura dos jornalistas, até a falta de condições de trabalho e o excesso de atividades para poucas pessoas, como descreve o pesquisador Marcondes Filho no livro A Saga dos Cães Perdidos (2000).
O maior problema está em os jornalistas engolirem e replicarem o mesmo discurso do mercado. Em resumo, para o comércio e para os jornalistas o sentido do Natal é fazer compras. É uma festa para dar e ganhar presentes, na qual o Papai Noel é o principal personagem. Além disso, é o momento de comprar enfeites natalinos e produtos para fazer uma ceia farta. Para os marqueteiros, esse é o discurso perfeito para garantir que pelo menos parte do décimo terceiro da população seja gasto com esses produtos. Melhor ainda se os consumidores gastarem todo o salário extra, ficarem devendo no cartão de crédito e começarem o novo ano endividados, como acontece muito. É fácil entender que vender é o que mais importa para quem vive do comércio. Faz todo sentido.
Discurso mercantilista
Difícil é compreender por que os jornalistas replicam todos os anos essa mesma teoria natalina mercantilista, com poucas exceções. Sendo a televisão o principal meio de informação da maioria da população no Brasil, famílias de alta e baixa renda absorvem esse discurso que sai da boca de repórteres, apresentadores e entrevistados nos telejornais. São as pautas mais fáceis, mais óbvias, que aparecem sozinhas, que o mercado incentiva, que as fontes fazem questão de sugerir e participar, que não dão trabalho, mas também não cumprem o verdadeiro papel de um bom jornalismo.
O resultado são famílias classe A e B trocando presentes caros e se empanturrando na ceia, famílias classe C comprando mais do que podem e começando o novo ano endividadas e famílias das demais classes com mesa vazia no Natal e crianças entristecidas. O jornalismo do mês de dezembro contribui para a insatisfação de milhares de pessoas que não têm dinheiro suficiente para conseguir se enquadrar dentro do Natal vendido pelo mercado. Contribui para as lágrimas de tristeza das crianças que não entendem porque o “bom” velhinho não trouxe o presente que elas tanto queriam. Contribui para a frustração social causada pela desigualdade de renda.
Por onde anda o jornalismo que deve trazer reflexões? Aquele que deve questionar valores, criticar e analisar? Onde posso ficar informada sobre as notícias do real sentido do período natalino? Em qual jornal estará escrito ou qual telejornal divulgará que Natal sem presentes e sem mesa farta também pode ser um Natal feliz?
Na verdade, é a festa do nascimento de Jesus, certo? Não quero fazer um discurso religioso, mas, independente de crenças, no mínimo o período natalino incita reflexões a respeito de valores como caridade, irmandade, paz e solidariedade. Se esse é o verdadeiro sentido do Natal, por que não reduzir o discurso mercantilista dentro do jornalismo? Até porque, no mundo em que vivemos, estamos precisando mais desses valores do que de presentes materiais.
A boa notícia é que dezembro acabou de começar e ainda dá tempo de deixar de lado o jornalismo Papai Noel e pensar em verdadeiras pautas de Natal.
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Luciellen Souza Lima é jornalista