Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O estuprador de ideologias

O episódio lamentável em que o deputado Jair Bolsonaro, em discurso feito em 9 de dezembro último, repetiu afirmação antes feita em 2003, quando dissera não estuprar a deputada Maria do Rosário por que esta não merecia, reacendeu um debate na imprensa sobre o posicionamento considerado controverso do deputado e qual deveria ser sua punição.

Diversos jornais deram espaço para o tema e nas suas páginas de opinião o deputado Bolsonaro foi majoritariamente execrado, a ponto de o colunista Ricardo Noblat, de O Globo, cobrar partidos como o PSDB de se posicionarem sobre o assunto e dizer que, até temos que tolerar a direita, porém o partido deveria se posicionar por uma questão moral contra o deputado (ver aqui).

Já na Folha de S.Paulo, vemos vários colunistas debaterem o assunto, como o jornalista Luis Caversan, que chega a fazer uma curiosa autorreflexão em um texto com o título “Tolerar Bolsonaros?“, onde se pergunta se deveria ou não excluir de seu perfil no Facebook os seus “amigos”, que haviam curtido uma página ou alguma declaração do deputado Bolsonaro, chegando à conclusão que esses, apesar disso, mereciam sua compaixão com uma segunda chance.

Todos reunidos em uma só luta, políticos, imprensa e aqueles que são a favor dos pobres e oprimidos passaram a excomungar o deputado, pedindo sua imediata cassação e punição cabível, porém ao analisarmos o assunto, além das retóricas de ambas as partes e do teor politicamente incorreto, vemos que tal posicionamento visceral dos formadores de opinião se mostra no mínimo inocente.

A “castração química”

É óbvio que o deputado sofrerá as consequências de suas pesadas declarações. Seja no conselho de ética ou em algum órgão da Justiça competente, que analisará se houve ou não quebra de decoro. Não faltarão representações impetradas por aqueles que, há muito tempo, não gostam dos posicionamentos do deputado.

Porém temos que analisar esse caso de uma perspectiva mais ampla, pois com o advento do politicamente correto, é implícito que qualquer declaração dada por qualquer um que ocupe algum cargo público, ou mesmo que tenha qualquer relevância na sociedade, será patrulhada e devidamente suprimida do debate, sem que haja chance de explicação ou recuperação, basta que temas como: direitos humanos, racismo, homofobia, entre outros sejam colocados em discussão.

Mas quando observamos o histórico das ações e dos efeitos das decisões de ambos os deputados no Congresso Nacional, veremos uma inversão do que parece ser a realidade. Acusa-se o deputado Bolsonaro de incitar o crime de estupro contra a deputada e em larga escala contra as mulheres, porém esse mesmo deputado é autor do projeto de lei 5398 de 2013 que, ora vejam, aumenta a pena para estupradores, tanto de mulheres, quanto de vulneráveis, prevendo que para aqueles que sejam condenados nesse crime conseguirem a liberdade condicional, haja a chamada “castração química”, que na prática inviabiliza a possibilidade de reincidência no crime concreto, como já aplicado em países como Estados Unidos e Canadá.

O projeto de lei está parado desde julho de 2013, aguardando relatoria da deputada Iriny Lopes (PT-ES), que foi uma das que saíram contra o deputado e em defesa da deputada Maria do Rosário.

Massa de manobra

Outro ponto de desavenças entre o deputado Bolsonaro e o PT e seus aliados é a proposta de redução de maioridade penal para 16 anos, sendo essa uma das origens das declarações de 2003, quando Bolsonaro defendia seu projeto PEC 301/1996 em entrevista e Maria do Rosário o interrompeu, acusando-o de ser um dos responsáveis pelo aumento nos crimes de estupro e gerando toda a discussão. Maria do Rosário, agora como deputada e antes como ministra dos Direitos Humanos, é uma feroz defensora da inimputabilidade de menores de idade em qualquer crime, inclusive o estupro.

Ao não trazerem esses pontos para discussão, a imprensa e outros setores da sociedade fazem um papel até certo ponto hipócrita, pois condenam com veemência declarações que obviamente foram além do bom senso, mas esquecem-se de olhar o mundo real, onde os crimes acontecem e deveriam ser debatidos, ainda que não se chegue à conclusão de aumento de penas, mas que pelo menos haja uma maior exposição para esclarecimento e diminuição dos casos de estupro.

Isso em grande parte acontece pelo viés ideológico que, sem que se alardeie, toma conta dos grandes setores formadores de opinião da sociedade, onde todos se unem para condenar uma declaração, porém não existe um apenas que traga um debate prático ou que pressione, por exemplo, o Congresso a sair da inércia na discussão de temas tão importantes quanto esse.

Ora, será que declarações descabidas de um deputado são mais graves e importantes do que um crime de estupro? Ou ainda, o que mais contribui para um estuprador cometer o ato, senão a certeza de que independente do que fizer, não haverá punição? A imprensa então serve de manobra de partidos como PCdoB, PSOL e até mesmo o PT que, tendo maioria no Congresso, não tem interesse nenhum em combater esse crime, mas que com certeza se beneficiaria da cassação de um deputado como Bolsonaro, que apesar das bobagens, incomoda o partido com algumas verdades.

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Marcos dos Santos Farias é analista de Logística, Campinas, SP