Mafalda é uma menina que vive em uma Argentina dos anos 1960, vai à escola, possui amigos, brinca as brincadeiras de toda criança e viaja com a família para a praia durante as férias. Isso apenas em princípio.
A personagem, criação máxima do quadrinista argentino Joaquim Salvador Lavado, o Quino, é uma figura emblemática. Uma criança que fala aquilo que pensa e, com sua franqueza, coloca os adultos em situação embaraçosa. Ou uma menina de forte opinião, com sua visão crítica da realidade. Para seus leitores, uma sonhadora, uma cínica e uma contestadora.
O interessante –e talvez esteja aí o porquê de sua popularidade por 50 anos– é que ela foi tudo isso e muito mais, possuindo características que fazem dela uma das personagens mais fascinantes das histórias em quadrinhos latino-americanas.
Como ninguém, ela personifica a insatisfação frente a uma realidade social e econômica que, mais do que respostas, apenas apresenta perguntas e inquietações.
Ainda que sem querer, Mafalda acabou se tornando a porta-voz das questões que os leitores querem colocar para o mundo, mas que nem sempre conseguem.
E quando pensamos que sua posição está firmada sobre uma questão, nos surpreende com um aspecto inusitado, uma pergunta bombástica, uma expressão de enfado, de asco ou de pena. Mafalda personifica o inesperado.
Seu mundo é povoado principalmente por crianças, mas ela não é uma série para crianças, embora estas possam ler as tiras e se identificar com as preocupações e desencontros do mundo infantil.
O maior público da menina sempre foi o de adultos, que partilham sua visão crítica quanto às relações de poder. Por meio de Mafalda e de seu mundo pequeno-burguês, conseguimos refletir sobre a realidade de seu (nosso) tempo, imaginando saídas nem sempre fáceis para as questões que o (nos) angustiam. Para os dilemas da contemporaneidade.
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Waldomiro Vergueiro é professor do Departamento de Biblioteconomia da USP e coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos da universidade.