Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Eu, você e todos nós

No segundo semestre do último ano, encontrei uma entre as últimas pessoas que não conheciam a palavra selfie. Foi Bibi Ferreira, de 92 anos, convidada do programa Roda Viva, da TV Cultura, do qual participei como entrevistadora.

Selfie foi dicionarizada em 2014, depois de ter sido eleita a “palavra do ano” em 2013. Segundo o Merriam-Webster, trata-se de uma imagem de alguém, feita pela própria pessoa, com câmera digital, com o objetivo de ser postada em redes sociais. A conversa com Bibi Ferreira, que tem quase o mesmo tempo de carreira que de vida – ela entrou num palco pela primeira vez aos quatro meses de idade, substituindo uma boneca –, chegou à selfie por um pensamento que seguia a trajetória do autógrafo.

Antes era assim: uma pessoa encontrava alguém notável e, titubeando entre a timidez e o deslumbre, pedia um autógrafo. Os mais preparados chegavam com papel e lápis, os mais desfrutáveis esperavam que o famoso, por costume ou obrigação, andasse por aí com bloquinho e caneta.

Então, surgiram os laptops e as câmeras digitais. Aí, a graça de encontrar alguém que a pessoa admirava era fazer uma imagem, muitas vezes sem que ela percebesse, e usar como descanso de tela.

Quem importa

Com os smartphones, as estrelas passaram a ser gatos e cachorros em posições inusitadas, crianças de óculos escuros, colegas de trabalho cochilando em cima da mesa, mendigos de rua com carrinhos lotados de latas vazias, placas com erros de português e, sim, gente que a gente admira.

Mas tudo em escala mínima. Suas fotos eram vistas por quem de fato queria ou não tinha coragem de fazer como um cartum da revista americana New Yorker. Dois senhores se encontram, e um diz ao outro: “Se você não me mostrar fotos dos seus netos, prometo que também não mostro as dos meus.”

As redes sociais, que entraram com o pé na porta na vida de muitos de nós, causaram a febre da selfie, uma onda tão avassaladora que fez caducar as cenas descritas acima. Agora tudo é pose. O que diferencia uma selfie de outra, depois que cada um descobre seu melhor ângulo, é o que – ou quem – está em volta. E quem se exibe com frequência para os seus seguidores sabe que, em geral, eles diligentemente curtem as imagens e fazem comentários decorados com emoticons. A maioria de nós, com um pingo de autocrítica a menos, sente que tem seu próprio fã-clube. E assim tudo virou cenário, e o resto do mundo virou figuração.

Quem dá de topa com Bibi Ferreira hoje em dia não pede nada, só enfia a cara ao lado da cara dela e diz: “Você se incomoda de tirar uma foto?” Falar selfie nessa hora é indelicado, pode deixar muito às claras que quem importa, naquele momento, é quem faz a foto, não quem ele encontrou.

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Teté Ribeiro é editora da revista “Serafina”, da Folha de S.Paulo