O que merece reverência é a vida humana e o direito de ser a favor ou contra e crente ou cético e exercer estes direitos sem medo. O que contraria isto merece toda a irreverência que provoca.
Em Paris, ontem, houve um choque de extremos, a extrema irreverência do Charlie Hebdo atacada pela reverência levada ao fanatismo e à barbárie do objeto constante da sua critica, a intolerância religiosa e o obscurantismo.
Não era o Islã o alvo principal do humor do Charlie Hebdo, era toda forma de renúncia ao bom senso e ao convívio civilizado representada pelo pensamento totalitário, teísta ou não. A irreverencia do semanário era, na verdade, reverência pela liberdade, mesmo que extrema.
No rescaldo do choque de ontem muitas coisas serão discutidas, além do fatal fortalecimento da direita xenófoba e anti-Islã na França. Talvez se discutam os limites do humor crítico num clima combustível como o da Europa, hoje. Seria um erro.
Condenar, ainda que indiretamente, a irreverência do Charlie Hebdo pela tragédia seria condenar a inteligência. Que, mais do que nunca, e em memória de todos os mortos na tragédia, precisa ser reverenciada.
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Luis Fernando Verissimo é jornalista e escritor